Surgiu em 1964, de voz límpida e jovem, ao som de “As Tears Go By”, canção assinada por Mick Jagger e Keith Richards que os próprios Rolling Stones gravariam depois. A sua voz mudou com o tempo, traduzindo marcas de dias difíceis vividos em finais dos anos 60 e a década de 70. E surgiu reinventada perto da viragem para os 80, abrindo uma nova etapa que a devolveu aos focais das atenções e fez associar, disco após disco, a alguns dos grandes autores de canções das novas gerações com quem se foi cruzando. Deixou-nos ontem, aos 78 anos.
Tudo começou na Londres de sessenta, quando, apesar de uma relação inicial com o teatro vinda ainda da escola, foi a música que a levou aos circuitos da folk que, por sua vez, lhe abriu as portas a uma festa onde conheceu Andrew Loog Oldham, manager dos Rolling Stones. Estreou-se em disco em 1964 arrebatando logo um episódio de sucesso com “As Tears Go By”, seguindo-se um primeiro álbum logo um ano depois. E, de um relacionamento com Mick Jagger que desponta pouco depois nasce um dos casais mais badalados da swinging London, inspirando canções dos Rolling Stones, chegando também aos jornais por histórias de excessos. As dependências de drogas acabaram por interferir com a evolução de uma carreira que à música tinha entretanto juntado trabalhos no cinema. Com uma vida pessoal à beira do abismo perdeu a custódia do filho, passou por uma tentativa de suicídio e durante algum tempo viveu como sem abrigo nas ruas de Londres.
Depois de um álbum de travo country grandemente ignorado (salvo na Irlanda), chegou ao final da década de 70 com a voz transformada pelas marcas dos dias difíceis entretanto vividos e também por uma séria laringite. É então que renasce criativamente com o álbum “Broken English” que a coloca em sintonia com sonoridades emergentes, seguindo-se uma sucessão de lançamentos que a reposicionam no panorama pop/rock, com nova solidez e reconhecimento, colhendo novos elogios em 1987 em “Strange Weather”, disco que cria em parceria com Hal Wilner.
Na década de 90, além de lançar uma autobiografia na qual pretendeu registar as respostas todas as questões que lhe quisessem lançar sobre o seu percurso de vida (sobretudo nos anos 60 e 70), Marianne Faithfull colaborou com Angelo Badalamenti num dos mais belos títulos da sua discografia (“A Secret Life”, 1995) e gravou música de Kurt Weill com textos de Brecht (aqui estabelecendo uma ponte com memórias familiares, já que a sua mãe, que era sobrinha-neta de Leopold Ritter von Sacher-Masoch, o autor de “A Vénus das Peles”, tinha sido bailarina da companhia de Max Reinhardt que havia apresentado várias produções da autoria dessa dupla histórica). Já no século XXI a obra de Marianne Faithfull conheceu episódios de parceria com grandes vultos das cenas pop/rock e indie de então. Beck, Jarvis Cocker, PJ Harvey, Nick Cave, Damon Albarn ou Anna Calvi estão entre a lista de parceiros criativos com quem trabalhou em discos marcantes como “Kissin Time” (2001), “Before The Poison” (2004) ou “Give My Love to London” (2014). “Negative Capability”, de 2018, o seu último álbum de canções, envolveu figuras como Mark Lanegan, Ed Harcourt ou Nick Cabe e teve Warren Ellis entre a equipa de produção. Ele mesmo repartiu com Marianne Faithfull os créditos de “She Walks in Beauty” (2021), disco de poesia que assinalou o derradeiro episódio na sua discografia.
Do seu percurso nos palcos e ecrãs foram inúmeros os momentos de grande destaque. No cinema, depois de um papel magistral em “Intimidade” (2001) de Patrice Chereau, de ter vestido a pele de Maria Teresa de Áustria na “Maria Antonieta” (2006) de Sofia Coppola ou sido a protagonista de “Irina Palm” (2007) de Sam Garbarski, ouvimo-la mais recentemente como voz de uma Bene Gesserit, no “Duna” de Dennis Villeneuve. O teatro acolheu-a pela última vez numa produção de “The Black Rider” no Barbican (Londres) em 2004.