A par de dois ou três temas que se podem considerar Fado Canção, na sua grande maioria o reportório deste disco parte das composições mais tradicionais do Fado, seja através das composições standards em que foram colocados novos poemas (uma prática comum no fado) ou através de novas composições que respeitam a estrutura poética tradicional. Não esquecendo, obviamente, o encontro entre os arranjos e a direção musical de José Mário Branco com o tradicionalismo dos músicos de fado aqui presentes. Na direção de interpretação e do conceito, o produtor conta com a ajuda de Manuela de Freitas.
Este disco, por tudo o que tem ao seu redor, marca uma mudança na carreira de Katia, mas quando se é fadista uma vez é-se fadista sempre e cada vez mais, porque da raiz nasce a árvore e a árvore não para de crescer. Basta ser-se autêntico e genuíno e ter a capacidade de receber com gratidão para depois dar com prazer o que em nosso transformamos.
Um Disco Antena1!
*****
O FADO DE SER FADISTA…
Era uma vez, há dezanove anos, em Lisboa e numa noite muito quente…
A Casa de Fados, cheia, era um santuário num daqueles dias em que o ambiente, a atmosfera e a inspiração contaminavam as almas de cada um. Os tais dias em que o fado não se ensaia, não se prepara nem se organiza… desta vez é ele que toma conta de nós e pura e simplesmente, acontece…
Era uma noite única, apenas dedicada aos músicos, não estando previstas atuações ou intervenções de cantadores ou cantadeiras. Apenas as grandes composições para a Guitarra Portuguesa seriam interpretadas naquela noite. Já se tinham ouvido alguns dos mais importantes músicos da época e da história, alguns mais velhos, os mestres, e alguns mais novos, os virtuosos e as promessas.
A Casa estava cheia de fadistas (cantadores e cantadeiras) mas ninguém se chegou à frente para cantar. Ainda não se tinham ouvido as cordas das guitarras a servir de guia da alma de quem pega nas palavras para nos contar as histórias que o fado canta.
Chegou uma miúda, vinte e poucos anos, estudante de medicina. Apareceu por sugestão de um dos fadistas residentes da Casa. Não era suposto cantar, mas alguém disse: nenhum fadista profissional ou experiente deverá cantar esta noite, mas porque não abrir uma exceção a uma nova voz, a uma estreia? Se a noite está como está, quem sabe o que nos pode acontecer… O Convite foi feito, ela não queria, mas depois de muitos pedidos aproximou-se dos músicos, e começou a cantar… mudou tudo, já não era a noite das guitarras; era uma noite em que surgiu uma nova grande fadista, uma grande promessa…
Um ano depois, entre a conclusão do curso de medicina, as noites de fados, as tertúlias e as atuações em vários eventos e pequenos espetáculos, Katia Guerreiro foi uma das artistas convidadas a participar no espetáculo de homenagem à Senhora Dona Amália Rodrigues, no Coliseu dos Recreios em Lisboa. Aquela que é considerada a sala mais importante e mais emblemática do nosso país. Público e crítica rendem-se à sua interpretação de “Amor de Mel, Amor de Fel”, considerando-a a melhor atuação da noite.