Há dias, fui ver as “Revoluções” de Júlio Pomar que continuarão pousadas nas paredes do atelier-museu do número 7 da Rua do Vale até 24 de novembro. Nos dois pisos da casa, Pomar mostra-nos como foi tocado pela velocidade do mundo nos dias das grandes mudanças, na Paris de 68 ou na Lisboa de 74, antes dos tigres e dos índios da Amazónia e do formidável retrato oficial de Soares. Lá está, numa das paredes da exposição, fazendo estremecer o visitante, o fulgor de Graça Lobo, aquela que para si mesma reclamava “a mania da liberdade” e de quem tínhamos esquecido que, entretanto, vivia de lar em lar, encenando já monólogos com a segadora. Naqueles quadros que Pomar nos deu dela, é como se nos dissesse, ainda e sempre, na ousadia dos gestos largos, “aqui estou eu, vírgula, Graça Lobo, o outro tigre de Pomar”. Na ocasião comprei um pequeno livro com as cartas trocadas entre Pomar e Menez. São 25 cartas e postais, escritos à mão, muitas vezes com ilustrações. Numa dessas cartas, cúmplice troca de dúvidas sobre o próprio ofício, Pomar conta que acabou os desenhos para o livro Corpo Verde, de Maria Velho da Costa. Noutra incita a amiga da rua da Saudade a que não deixe de pintar. Adiante lhe pedirá desculpa pelo longo silêncio. E ele lhe escreverá durante uma viagem de comboio para Chartres e, noutra ocasião sublinhará uma coincidência: “Reparei agora que, tu como eu, não pões datas”.
No dia em que fui ver a exposição, subi à Escola Politécnica e, à sombra de um cedro do Himalaia do Jardim Botânico, devorei o livrinho de cartas. Terminada a leitura fui ver as estrelícias junto ao busto de Bernardino Gomes, o botânico e médico, a quem se devem estudos pioneiros no combate ao paludismo. Nesse dia que não sei precisar – pois, tal como Pomar e Menez, não anoto as datas dos avulsos deslumbramentos – digamos num dia de muito calor na segunda quinzena de Agosto, as folhas largas de duas ou três bananeiras enredavam o busto do ilustre botânico de tal modo que pareciam sufocá-lo. Dei comigo a pensar que tal teia asfixiante configurava abraço perverso e de algum modo rebaixamento da figura de quem assiduamente visitava Queluz cuidando da saúde da família real.
Aquele de quem reza a crónica ter sido o primeiro dermatologista português pode estar padecendo de reacção alérgica, caso os cuidadores da bronzeada cútis tenham descurado, entretanto, a sombra da bananeira.