Ontem, no podcast O Coração Ainda Bate, Inês Meneses despediu-se da professora de natação que está de partida para outras águas.
Em duas braçadas de empolgamento vos recomendo este texto que admiravelmente nos chama para algo muito semelhante ao que, num poema ao nadador, Cecília Meireles descreve como “a eternidade da água”. É o poema em que Cecília Meireles segue “a linha alada das espáduas” do nadador, esse “pássaro de água”.
Vai mais fundo, e noutro sentido, o ângulo de Inês. Ela fala da piscina como de uma placenta de celebração da vida e do outro, quem quer que seja, chapinhando a nosso lado.
Em mais do que um encontro nos corredores desta rádio, Inês já me dera conta da mais íntima alegria com que se entregou, há coisa de dois anos, ao prazer da natação. O que me tocou no entusiasmo de Inês não se prende, sequer indirectamente, com os benefícios da actividade para a saúde física e mental, para a perda de peso ou para o alívio do stress.
Desde que me despedi do ruído feliz da adolescência, nada me chama para a borda de uma piscina, para essa névoa de cloro e vozearia, sequer por banhos de mar em praias compactas de gente que conta a vida em voz alta sob um calor épico. Mesmo se as estações perderam o seu recorte antigo, prefiro caminhar rente à linha de água, acreditando que desse modo ajudo a perpetuar um suave outono.
Mas gosto desta ideia precisa de piscina que faz de Inês uma menina feliz nos corredores da rádio. Deixai que os vossos olhos chapinhem a prosa dela no podcast O Coração Ainda Bate. Em breves parágrafos, Inês explica-nos porque é que ir para a piscina “foi como voltar à escola” Por isso, quando a professora lhe comunicou que outras águas a esperam, foi como se tivesse perdido uma amiga na escola.
Ela e a professora comoveram-se, riram juntas, partilharam infortúnio e júbilo, morte de mãe, nascimento de filha. Inês exalta ainda o sentido convivial das horas na piscina, a consciência do outro, em tudo diferente, os pequenos prazeres da espuma à superfície da água, “o vapor que cobre os balneários e o cheiro a cloro que se entranha”.
Quando alguém falava de piscinas, lembrava-me com frequência de uma crónica do grande Fernando Sabino que nos situava junto a uma vivenda de sonho rodeada por um magnífico jardim, com olímpica piscina e um senão: ficava demasiado perto da favela. Diante do portão passavam com frequências mulheres pobres, com latas de água à cabeça. As mulheres costumavam parar diante da vivenda, contemplando a piscina. Certa vez, o dono da casa tomava o seu gin tónico num cadeirão, a mulher apanhava sol na espreguiçadeira, quando uma das miseráveis da favela saltou a cerca, atravessou o relvado e, perante o pasmo impotente dos senhores, encheu a lata com água da piscina e esgueirou-se. Devido a tal contratempo, os senhores puseram, de imediato, a casa à venda.
Lendo a crónica de Inês, apetece-me procurar uma pequena lata e roubar algumas frases de água límpida com que ela nos torna claro que, na aula de natação, “podemos viver tudo de novo, até quando julgamos que já está tudo mais do que vivido”.