Se esta manhã pudesse estar no Porto, sem uma agenda apertada de compromissos, tendo despachado o cimbalino e o primeiro voo rasante pelos jornais, meteria pés ao caminho subindo a rua de Ceuta até à praça de Guilherme Gomes Fernandes a trocar abraços com o querido amigo Cruz Santos, admirável editor da Modo de Ler. Após o que, cumpridos os poucos metros da rua do actor João Guedes, desembocaria na praça de Carlos Alberto, assim designada em memória de um rei italiano que ali descansou os ossos de um exílio breve. Desta vez, o meu destino na praça tão emblemática seria a retrosaria Lopo Xavier que no próximo sábado celebra 90 anos. A repórter Marta Neves, do JN, chama-nos esta manhã para o esplendor de uma loja de tradição que nunca se descaracterizou. A retrosaria nunca baixou a fasquia de qualidade das suas lãs originalmente importadas das ilhas Shetland, nem sequer quando sofreu as consequências do bloqueio durante a II Guerra Mundial. A Lopo Xavier tratou de garantir um produto próprio, apresentando desde então três marcas de lã de ovelha portuguesa com as quais mantém ao longo das prateleiras dos anos quarenta a formidável paleta de cores que propicia aos clientes e visitantes uma aula viva da arte de olhar.
Como lembra a repórter do JN, há na retrosaria Lopo Xavier duas esculturas de Henrique Moreira, cuja obra, tão celebrada, está espalhada pela cidade. Ainda há pouco, ao iniciar a imaginada demanda da retrosaria onde também se pode aprender a tricotar, conversando entre chá e bolos, demorei o olhar nos meninos de bronze que o escultor concebeu para os Aliados. São muitas as obras do aluno de Teixeira Lopes espalhadas pelo burgo, da Foz ao jardim do Passeio Alegre onde nos propõe a vénia ao grande Raul Brandão que nasceu ali perto. E lá está, no largo em que a retrosaria histórica resiste, o monumento aos mortos da Grande Guerra.
Muitos não reconhecerão a autoria das duas esculturas que sobrevivem entre a lã de tantas cores. A repórter Marta Neves alerta-nos para a urgência de memória, um jornal serve para isso, também, para exercício de cidadania. A urgência é tanto maior quanto, ela o lembra, a retrosaria do número 18 da praça de Carlos Alberto luta em tribunal contra uma ordem de despejo. Apresso, por isso, o cimbalino e assim que dê por terminado este bordado de palavras em macramé, vou pelo dédalo amável de um burgo antigo, comprar dois ou três novelos de várias cores à retrosaria Lopo Xavier.