Os miúdos das escolas de Ferreiras, a freguesia do concelho de Albufeira, vão receber, este Natal, uma formidável prenda da Junta.
Não é de comer, mas alimenta. Não é de beber, mas sacia uma sede tão funda que, se não for mitigada, pode criar, dentro de nós, um deserto intransponível.
A prenda da Junta de Ferreiras é um Jogo da Memória. O autarca Jorge do Carmo acredita que este jogo, para lá do incentivo ao convívio no quadro familiar, pode ser uma ferramenta útil para a transmissão de conhecimentos sobre a história de Ferreiras e a importância do património local. Trata-se de excelentes desígnios: tudo o que possa desligar os jovens e as suas famílias da letargia provocada pelos ecrãs é meritório. E esta proposta de mergulho na história do lugar é mais enriquecedora, oxigena mais do que uma ida a banhos à praia da Oura ou à Galé.
Não tenho qualquer ligação a Ferreiras, nem conheço as pessoas da Junta, mas apresso-me a aplaudir e a imaginar que posso participar num jogo que me traz de volta o Algarve da estrada antiga, os nomes que se perderam no retrovisor dos meus verões antigos, Mimosa, Canal Caveira, São Marcos da Serra, e Ferreiras, claro, onde a estrada nos entregava aos nossos destinos no areal. Só muitos anos passados sobre o veraneio da adolescência, descobri Paderne, com as suas muralhas de taipa e as ruínas da sua ermida. Só muitos anos passados colhi dos mapas e das estradas secundárias pelas quais me aventurei os belos nomes em redor, Olhos de Água, Cerro de Águia, Algoz, Roja-Pé, Malhada Velha, Cotovio, Vale Paraíso.
Mas Ferreiras tem uma história da qual se estarão perdendo muitos dos seus habitantes. É o que nos diz este cuidado lúdico e pedagógico de um autarca. E eu entro no jogo, arrumando memórias, procurando respostas para perguntas que não sei se lá estarão.
Vê esta imagem de chaminés e açoteias, sente o perfume mourisco deste lugar de amêndoa, figo e alcachofra. Não por acaso, Ferreiras acolhe no escudo chaminés e uma amendoeira dourada. Sabias?
A lenda diz que as Ferreiras eram costureiras prendadas, vinham de longe confiar-lhes roupa. Isso foi num antigamente em que os lisboetas aqui paravam porque era aqui a estação de comboios onde se apeavam para os banhos de sol em Albufeira. Em 1926, saía um vapor do Terreiro do Paço à hora do jantar, a tempo do comboio que partia do Barreiro e enchia de fumo a noite serena, correndo para sul. Às sete da manhã adivinhava-se o mar. Uns anos depois, a Eva criou a ligação de camioneta entre Ferreiras e Albufeira. E tudo foi ficando ainda mais perto para os que ali chegavam, enquanto os de ali se iam perdendo da própria memória do lugar, da sua própria história.
À porta do Natal, saúdo o autarca de Ferreiras. Nenhuma prenda deveria tocar mais o coração dos seus conterrâneos do que este jogo para o qual Jorge do Carmo convoca a sua memória.