Um último momento de partilha. Uma despedida tranquila, olhada de perto por três câmaras, num estúdio, as janelas possíveis para um derradeiro episódio de comunicação entre um compositor e aqueles que, anos a fio, com ele foram contactando, sobretudo, através da música. Sentado, ao piano, sem olhar para o relógio que, para si avança, em acelerado sentido oposto ao avançar habitual das horas, Ryuichi Sakamoto caminha entre 20 peças que traduzem, sem uma arrumação cronológica nem mesmo uma agenda competiste, um olhar sobre o que nos deu a escutar ao longo de todos estes anos.
Da memória das visões lançadas quando integrava a Yellow Magic Orchestra (de quem evca “Tong Poo”) às peças que fizeram história no cinema de nomes como Nagisa Oshima ou Bernardo Bertolucci, passando pelos últimos álbuns de estúdio (“Async” e “12”) ou até mesmo estreando peças nunca antes apresentadas neste formato para piano solo (como “The Wuthering Heights”), Ryuichi Sakamoto partilha, connosco, por uma última vez, o que em tantas ocasiões fez em disco ou nos muitos concertos e recitais que deu. Candura, beleza, grande música.
“Opus” não é bem um filme concerto (afinal o que vemos resulta de vários dias de filmagens num mesmo estúdio, embora a montagem depois crie a sugestão de uma continuidade). Não é também um documentário, embora o contexto, o alinhamento, e os olhares discretos pelo que mais acontece para além da performance (as pausas, um engano, uma hesitação, uma palavra) acabanem por contar uma história. Não é uma biografia, se bem que todo um percurso de vida passe pelas 20 peças que escutamos ao piano. Todavia é tudo isto. E também luminosidade, agradecimento, reconhecimento, admiração. Filmado (a preto e branco) pelo próprio filho, Neo Sora, um Ryuichi Sakamoto fisicamente abatido pelo avançar de um cancro terminal é aqui retratado com elegância, admiração, amor. O trabalho de luz transforma o espaço a cada nova peça. O silêncio dialoga com a música. As respirações, os detalhes dos gestos, o banco e o piano acrescentam dimensões ao diálogo protagonista, entre o compositor e o intérprete. E nós, na plateia, vêmo-lo. Como se fossse num último concerto.