A poucas semanas das eleições presidenciais americanas, vale a pena lembrar que são muitas as memórias paralelas da política “made in USA” que podemos encontrar na história do cinema. Aliás, o mercado continua a refletir isso mesmo com o lançamento de dois filmes que propõem retratos de Ronald Reagan e Donald Trump — são motivos para, no programa “Duas ou Três Coisas”, revisitarmos algumas dessas memórias.
Os novos filmes são, assim, a continuação de uma verdadeira tradição cinematográfica. Em “Reagan”, de Sean McNamara, com Dennis Quaid como protagonista, encontramos uma antologia de momentos emblemáticos da vida daquele que, antes de chegar à Casa Branca, foi intérprete de algum destaque em produções de Hollywood, tendo chegado a liderar a “Guild” (sindicato) dos actores. Por sua vez, Trump é retratado em “The Apprentice”, muito antes de ocupar a presidência, quando liderava um programa de “reality TV” (“The Apprentice”, precisamente) — a sua personagem está entregue a Sebastian Stan, sendo a realização assinada por Ali Abbasi.
Curiosamente, talvez se possa dizer que os filmes sobre os Presidentes dos EUA são tanto mais abrangentes e sugestivos quanto existem mesmo na sua “ausência”. Enfim, com nuances que vale a pena ter em conta.
“Young Mr. Lincoln” [cartaz original aqui em cima], entre nós chamado “A Grande Esperança” é o clássico dos clássicos. Produzido em 1939, ano dourado de Hollywood (“E Tudo o Vento Levou”, “O Feiticeiro de Oz”, etc.), nele encontramos um retrato de Abraham Lincoln (Henry Fonda), mas ainda como jovem advogado, quase trinta anos antes da sua eleição — uma verdadeira crónica íntima sobre o primado da Lei como inalienável fundamento democrático. Mais recente, “JFK” (1991), de Oliver Stone, não é, de facto, um filme sobre John F. Kennedy, antes uma detalhada observação do processo de investigação do seu assassinato, conduzido pelo procurador Jim Garrison, interpretado por Kevin Costner — reencontramos os dramas legais, agora tentando esclarecer um crime que, para alguns investigadores históricos, e para o próprio Stone, envolveu ligações que não estão totalmente desvendadas.
Aliás, Stone é um dos cineastas americanos que mais sistematicamente se interessou pelas figuras dos Presidentes dos EUA. Na sua filmografia encontramos ainda “Nixon” (1995), com Anthony Hopkins no papel central, e “W.” (2008), com Josh Brolin a assumir a personagem de George W. Bush.
Isto sem esquecer que Nixon, precisamente, está presente em mais dois títulos que também merecem ser citados. O primeiro, “Os Homens do Presidente” (1976), realizado por Alan J. Pakula, evoca a investigação do escândalo Watergate pelos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein — interpretados por Robert Redford e Dustin Hoffman, respetivamente —, investigação que conduziu à resignação de Richard Nixon. O segundo, “Frost/Nixon” (2008), assinado por Ron Howard, revisita as célebres entrevistas televisivas e radiofónicas a Nixon, conduzidas pelo jornalista britânico David Frost, cerca de três anos depois do Watergate.
Importa referir também que, por vezes, a abordagem das atribulações na Casa Branca tem sido feita em tom de comédia, ou melhor, de farsa política: é o caso de “Manobras na Casa Branca” (1997), de Barry Levinson, em que um grupo de especialistas (“spin doctors”, como diz a gíria) tenta livrar o Presidente (fictício) de um escândalo sexual — não é um reflexo do escândalo que envolveu Bill Clinton e Monica Lewinsky, uma vez o filme se estreou… três semanas antes da revelação desse escândalo.
Enfim, voltando a Abraham Lincoln, não podemos esquecer que na filmografia de Steven Spielberg encontramos o admirável “Lincoln” (2012), com Daniel Day-Lewis, retrato conciso e detalhado da complexa conjuntura em que o Presidente Lincoln desenvolveu o seu combate legal e ético pela abolição da escravatura. Na altura, alguns produtores, considerando que se tratava de um projeto financeiramente arriscado, tentaram convencer Spielberg a transformá-lo numa mini-série de meios mais modestos… Obviamente, ele não desistiu.