Rui Borges, compositor e maestro de futebol, não promete ópera, nem samba, nem tango, na capa dos jornais e explica porquê: “Não estamos com tempo de fazer músicas bonitas”. O tom com que produziu tal afirmação não foi o de quem está a dar música e justifica o título de capa do jornal O Jogo, esta manhã: “Sai violino, entra bombo”. É música ainda, com menos drible, sem cordas e sem cravelha. São as cautelas de quem não quer ser o bombo da festa.
O título do jornal O Jogo talvez vá beber a Fernando Santos, quando antes de uma partida que garantia o apuramento para o Mundial de 2018 explicou a táctica: “Durante o jogo é preciso tocar violino, mas também tocar bombo”. “O bombo”, explicou Santos, “também é importante”, não fossem pensar que sugeria meia bola e força.
“Não estamos com tempo de fazer músicas bonitas”, concluiu, conformado, o maestro Rui Borges.
Logo me lembrei de meu pai, benfiquista convicto, fazendo vénias aos cinco violinos. Essa referência amável à expressão criada por Tavares da Silva foi uma pauta constante da minha infância. Meu pai dizia por ordem, como se rezasse: Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano. Peyroteo era o stradivarius e a táctica de Szabo era simples: “a equipa joga e Peyroteo marca”. Rui Borges não pode aplicar a mesma fórmula, trocando Peyroteo por Gyokeres. Isto não é meia bola e força.
É talvez outra maneira de dizer, como num samba de Pixinguinha, “basta um a zero”. Foi esse samba feito em homenagem à vitória do Brasil sobre o Uruguai, num campeonato sul-americano, em 1919, quando ainda não havia futebol vertical, nem se jogava pelos corredores em basculação e transições rápidas. A táctica de Pixinguinha e Benedito Lacerda incluía, na primeira exibição, saxofone e clarinete. Mas ao longo de anos de gravação acolheu bandolim e contrabaixo, flauta e piano, violão de sete cordas, cravo e cavaquinho. Violino, não consta. Bombo, porventura.
A cinco minutos do fim, o jogo estava empatado, vai Pixinguinha: “Numa jogada genial / aproveitando o lateral/ um cruzamento que veio de trás / foi quando alguém chegou / meteu a bola na gaveta/ e comemorou”.
Afinal, é como no poema de Ferreira Gullar: a esfera espera o remate que a dispara “na direcção do nosso coração”. Não há outra maneira de explicar as lágrimas de Lito Vidigal, terminado o jogo de ontem.
O grande cineasta Pier Paolo Pasolini, que gostava desta música ora violino ora bombo, dividia as coisas em “futebol de prosa e futebol de poesia”. Eu prefiro este último, “cunhado no drible e no golo”.
Mas aprecio a prosa de Rui Borges. Tanto mais musical quanto não parece que nos esteja a dar música.