Cuca Roseta esteve na Antena 1 e conversou com Ana Sofia Carvalhêda.
Veja no sítio do Cinemax o novo vídeo clipe de Cuca
Roseta rodado por Ivan Dias.
Cuca Roseta: a mais rara verdade
Por uma vez, escrever ‘destino’, ‘alma’
e ‘verdade’ sem medo de exageros ou lugares-comuns quando se fala de fado.
Trata-se de um privilégio raro, porque raros são os predestinados a cantar um
género musical que não deixa mentir. E o fado não deixa mentir: não interessa a
voz, a figura, o estilo – ou sentimos verdade ou não sentimos. E com Cuca
Roseta, sentimos.
O seu disco de estreia, em nome
próprio, resume a história de alguém que sempre acreditou numa vontade maior do
que ela – e soube esperar. Mesmo já tendo participado numa banda marcante para
a música moderna portuguesa, Cuca Roseta sempre soube que era no fado que se
iria encontrar. Apenas esperava o momento certo, os cúmplices perfeitos.
Aconteceu. De um encontro fortuito
(alguns dirão predestinado) com o músico, compositor e produtor argentino
Gustavo Santaolalla – que já conta na bagagem com dois Óscares para Melhor
Banda Sonora (Babel e Brokeback Mountain) nasceu este «caso de amor musical»,
nas palavras da própria fadista. Santaolalla, que terá ficado deslumbrado com
uma actuação de Cuca, reconheceu na voz da fadista essa universalidade da alma,
que não conhece língua ou fronteira. O convite foi imediato, e a proposta tão
simples como ambiciosa: dar a conhecer ao planeta a voz, a artista e o ser
humano que é Cuca Roseta. Mais do que um projecto musical, para Santaolalla era
quase uma missão. E assim nasceu este disco.
Durante a gravação o produtor deu tempo
e espaço para a voz de Cuca Roseta dizer a verdade que tem.
O resultado é uma
colecção de temas que, dos mais clássicos como "Rua do Capelão" ou "Marcha de
Santo António", até aos musicados como "Porque Voltas De Que Lei" (letra de
Amália Rodrigues, colaboração do tanguero Cristobal Repetto e do próprio
Gustavo Santaolalla) ou "Maré Viva" (poema de Rosa Lobato Faria vertido para
castelhano), este é um testemunho verdadeiro de uma vocação. E ainda com a
mais-valia de nos apresentar uma fadista dona das suas próprias palavras, como
acontece em "Homem Português" ou "Nos Teus Braços".
Como
cúmplices musicais perfeitos, Mário Pacheco na guitarra portuguesa,
Pedro Pinhal na viola de fado e Rodrigo Serrão no contrabaixo. E ao comando de
tudo, a extraordinária sensibilidade de Gustavo Santaolalla, a dar espaço,
tempo e voz para que Cuca cumpra o que sente e enfim o possa mostrar ao mundo,
porque a alma e universal.
Cuca
Roseta sabe que seguiu o seu destino, e não é menos do que isso que ela quer
partilhar connosco, de forma natural, genuína e com um timbre tão perfeitamente
afinado. Agora é a nossa vez: esta verdade tem de ser ouvida de tão rara que é!.
Destino e verdade
"Nestes
dias difíceis e cépticos começa a ser quase perigoso acreditar em
predestinações e outros fenómenos que dependam mais do espírito do que dos
sentidos. Mas depois conversamos com pessoas como a Cuca Roseta, que de
repente, num sorriso meio desabafo meio suspiro, confirma docemente: «Acho que
nasci para isto».
«Isto», entenda-se, é a sua vida. «Isto» é o fado.
E é esta absoluta sinceridade, quase à beira da displicência, que
nos deixa perplexos, quase escandalizados. Esta aceitação natural de um destino,
visível nos olhos escuros de Cuca, é também o sinal do que o que diz é genuíno
e sentido. E ainda por cima tem razão.
Felizmente para nós, o primeiro passo desse destino está agora
registado em nome próprio: Cuca Roseta, o disco de estreia, mostra a a
verdade de quem canta aquelas palavras. Porque o fado tem este mistério: não
deixa mentir.
Já lá iremos. Demoremo-nos agora um pouco pelos dias de Isabel
«Cuca» Roseta , para percebermos que palavras tão gastas como essenciais –
quando se escrevem textos sobre fado – por vezes fazem todo o sentido. Palavras
como «destino» ou «alma», por exemplo.
A
verdade é que nada na vida de Cuca Roseta deixava prever o fado que um dia a
iria escolher. Não havia na família antecedentes fadistas e o género musical
mais ouvido na sua casa era a música erudita. Ate que, aos 18 anos, vai a uma
casa de fados. Primeiro embate, primeira pequena invasão na alma de Cuca
Roseta: se o fado ainda não a seduzia por completo, começou a precisar dele
para a vida: «Ia às casas de fado mais pelo lado emocional, era muito intenso»,
lembra. Sem o saber já era tarde: o fado tinha-a
definitivamente escolhido.
Começou
a cantar, timidamente. Uma vez, um ouvinte especial percebeu na sua voz a
verdade que começava a saber dizer. Era Carlos Zel, que insistiu: «Tens de
aprender mais fados». Ela prometeu que o iria fazer.
Mas
a vida tem esta mania de se intrometer nos nossos planos e de repente Cuca
pertence a uma banda pop que apenas com um pequeno repertório deixava marca no
panorama do burgo – os Toranja. Foram tempos excitantes, uma aventura de
sucesso. Mas havia um vazio, sempre um vazio…
Já
com uma licenciatura em Psicologia, decide participar num concurso de fados no
Porto. Aprendeu oito temas. Mas o maior prémio de Cuca veio em forma de uma
inabalável certeza: «É isto que eu quero fazer», terá pensado na altura. E
determinada, foi em busca do que lhe estava destinado.
Foi
um ano a deambular por Lisboa, a cantar e a aprender, sempre a aprender.
Tornou-se uma presença habitual nos locais onde acontecia fado, falou com
músicos, outros fadistas. «Havia um mundo de coisas para aprender, que tinham a
ver com a poesia, com a emoção». Conheceu Ana Moura, que a encoraja a
continuar. E uma noite é apresentada por Nobre Costa a João Braga, conhecido pelo
seu gosto e visão de lançar novos fadistas nos seus espectáculos.
«O
que fazes daqui a três dias?», terá perguntado o fadista a uma muito
impressionada Cuca Roseta.
«Nada.»,
respondeu.
«Óptimo.
Então vais entrar num espectáculo comigo para a RTP».
Alguém
falou em destino?
Depois
seguiu-se o ciclo do Clube de Fado. Mário Pacheco, guitarrista e proprietário
da casa, tem uma sensibilidade especial para as novas vozes. Gostou da nova
fadista e rapidamente passou a integrar o prestigiado elenco. Durante este
tempo soube absorver todos os segundos de fado à sua disposição. E foi numa
dessas noites em que não deveria lá estar que aconteceu o que justifica estas
linhas. Assim, sem planos ou esperanças. A noite em que sem estar previsto,
absolutamente por acaso, sorte ou mistério, Cuca Roseta encontrou o argentino
Gustavo Santaolalla: músico, produtor, reconhecido compositor de bandas sonoras
(com ´Oscares pela música de Babel e Brokeback Mountain). O tal destino
teimoso, em que cada vez mais Cuca acredita. Diz ela, como que revendo essa
noite pela primeira vez, pausada mas definitiva: «Acredito no destino. E tudo
me aconteceu de forma simples, apanhando-me quase distraída».
Ao
ouvi-la cantar, Santaolalla, depois do deslumbre, disse de imediato querer
gravar com ela. Cuca, sensatamente, estranhou – porque não fazia ideia sobre
quem era o desconhecido que lhe fazia semelhante proposta. Alguém enfim
identificou o argentino, Cuca pede desculpa por não ter ideia de quem era o
produtor. Santaolalla responde: "Não interessa
quem sou. O que interessa é que vi em ti uma estrela". E saiu.
Os
dias foram passando, e Gustavo continuava a ligar e a insistir para que
Cuca conhecesse o projecto musical que o
produtor tinha construído para ela. Entretanto, outras editoras, sabendo do
interesse do produtor, começam a cercar Cuca Roseta, que recusa tudo com a
força que provém da certeza da paixão («a minha relação com o Gustavo foi mesmo
um caso de amor musical», irá confessar mais tarde. E desta maneira o que tinha que acontecer, aconteceu.
Começava a nascer o disco Cuca Roseta.
Todos
os fadistas que fazem o seu percurso em casas de fados passam por uma terrível
provação quando têm que enfrentar a solidão do estúdio. A rapariga que
participou em Fados de Carlos Saura ou cantou para Bento XVI durante a
visita do Papa a Portugal conseguiu dar tudo o que tinha, beneficiando do
incrivel ambiente proporcionado por Gustavo Santaolalla. E confirma: «Não senti
muito a solidão de estar ali a gravar, entreguei-me `a emoção». O resultado é um
belissimo disco de estreia, com um repertório que passa por alguns clássicos ("Rua
do Capelão", "Avé Maria Fadista" ou "Marcha de Santo António"),
outros fados musicados (o magnifico "Porque Voltas De Que Lei", letra de
Amália com a colaboração do próprio produtor e do tanguero Cristobal
Repetto; ou "Maré Viva", um poema de Rosa Lobato Faria levado para o
castelhano por Santaolalla), e sobretudo a afirmação de Cuca Roseta como
letrista em causa própria. Excelentes exemplos são "Homem Português" e "Nos
Teus Braços", onde Cuca assina
também a musica. Esta «autonomia» de talento torna-a assim ainda mais próxima
do que canta.
Como
cúmplices musicais perfeitos, Mário Pacheco na guitarra, Pedro Pinhal na viola
de fado e Rodrigo Serrão no contrabaixo. E ao comando
de tudo, a extraordinária sensibilidade de Gustavo Santaolalla, a dar espaço,
tempo e voz para que Cuca cumpra o que sente e enfim o possa mostrar ao mundo,
porque a alma e universal.
Talvez
estes sejam dias difíceis, em que a realidade nos invade mais do que
gostaríamos. Mas a alma resiste, a alma persiste. A força quase mistica que se
desprende de Cuca Roseta, a sua fé, a sua comunhão com o que sente e com a
natureza que a rodeia pode oferecer esperança de redenção de tudo pela beleza.
Quando se volta a insistir no destino, ela sorri outra vez e outra vez nos
desarma: «Eu quero simplesmente cantar». E
levanta-se, e junta-se aos músicos que a esperam e a sua voz afinadíssima
prende-se com a da guitarra portuguesa e deixamo-nos levar por este caminho de verdade
absoluta.
Nuno
Miguel Guedes