Face às temperaturas abrasadoras de Lisboa, um saltinho à Costa Alentejana nunca seria mal pensado. A equipa da Antena 1 não ficou imune ao calor, presença certeira em qualquer tarde de julho, mas pôde aproveitar uns quantos pingos de maresia – embora a razão para a viagem tenha sido outra. Após o habitual arranque em Porto Covo, este foi o segundo dia da edição de 2024 do Festival Músicas do Mundo (FMM), e o primeiro da rádio pública por lá.
Os novos timbres de Salvador Sobral
Embora esta seja a sua 24.ª edição, há sempre estreias, mesmo quando se trata de um artista português. Não é segredo que Salvador Sobral já acalentava o desejo de tocar em Sines: revelou-o em várias entrevistas a propósito do seu último álbum, que descreveu em entrevista à Antena 1 como o seu “álbum mais FMM”. “Timbre”, assim se intitula, foi o mote do seu concerto no Castelo: não só dominou o alinhamento, como a maquilhagem de Sobral espelhou a paleta de cores da capa do disco.
“O timbre é a cor da música, a impressão digital”: propriedades que ficaram evidentes ao longo de um concerto com versões de Geraldo Azevedo, Sérgio Godinho e Ray Charles, canções dedicadas ao seu dador de coração e à cantautora catalã Silvia Pérez Cruz. “Amar pelos Dois” não ficou fora do alinhamento. “Creio que esta será a primeira canção da Eurovisão no FMM”, gracejou o cantor, fingindo surpresa quando todos cantaram em uníssono. “Pensava que vocês aqui não conheciam isto!”
Margareth Menezes: tomada de poder em Sines
Enquanto a melodia de “Pedra Quente” continuava a ecoar pelo público, como um mantra, Margareth Menezes preparava a sua entrada. Ministra da Cultura do Brasil desde 2023, assume-se representante do “afropop brasileiro” aos 61 anos de idade: um movimento que personifica, tanto em disco como em palco.
“Chegar à Bahia” foi a canção de abertura, que usou para descrever a sua cidade de origem: “Salvador é uma cidade cosmopolita, nessa questão de cruzamentos de claves percussivas e sonoridades também. No seu regresso às digressões após as interrupções pandémicas, o ícone do samba baiano trouxe “um caldeirão de manifestações e isso está hoje posto na música contemporânea do Brasil”.
O holofote recai finalmente sobre José Manuel David
Conforme disse Carlos Seixas, diretor artístico, “no FMM não há um cabeça-de-cartaz”, porque a lógica do festival transcende estrelatos e estratégias de marketing. O entusiasmo uniforme com que o público recebeu os concertos desta quarta-feira (24) comprova-o, começando por José Manuel David. Terá sido para muitos o primeiro confronto com este artista, cujo nome raramente vem a lume – apesar de ter contribuído para dezenas de discos essenciais da música portuguesa.
Dos créditos em letra pequena diretamente para um palco como o do FMM, o artista apresentou o seu álbum de estreia a solo, “Cantar a Eito”. Ora com uma toada mais céltica, ora num momento de cante quase hipnótico, foi uma demonstração do multi-instrumentalista, entre os sopros e as teclas. Um concerto dinâmico: após uma festa ao som da gaita de foles, José Manuel David anunciou que vinha aí uma canção de embalar. “Não é para vocês dormirem, mas para ouvirem”, esclareceu. Um aviso que se revela desnecessário: com concertos a começar até de madrugada, é certo que o público de Sines não dorme.
Na emissão especial da Antena 1, além da entrevista com Margareth Menezes, houve conversas com Carlos Seixas e Raquel Bulha, e tempo para recordar os concertos de Duarte e Lívia Mattos em Porto Covo. Até sábado, depois das notícias das 23h, a Antena 1 entra sempre em direto de Sines.
Texto de Pedro João Santos