“Isto é tudo feito de coração e, quando as coisas são feitas por amor à camisola, as coisas saem melhor, sempre.” Esta frase, ouvida num vídeo do festival, exprime uma verdade categórica sobre o BONS SONS: não há festa sem comunidade, entre os voluntários e os aldeões. É um lugar-comum para um lugar especial, onde a Antena 1 foi muito feliz nos últimos quatro dias, entre emissões especiais, reportagens, entrevistas e muitos quilómetros acumulados.
Ao domingo de encerramento, começámos o nosso périplo com pontualidade máxima; ainda assim, não conseguimos entrar na Igreja de São Sebastião para ver Rafael Toral pelas 14h30. Sem mágoa, é claro, porque não é todos os dias que a música exploratória chama um magote de festivaleiros, levando-os quase ao altar. O Palco Carlos Paredes demonstra como um festival generalista pode confrontar todo o tipo de públicos com linguagens menos convencionais, sem que se dê um choque – ou, então, que o choque seja um estímulo para a curiosidade, para a expansão do gosto.
Assim acontece quando a paixão pela música e a comunidade se entrosam de verdade, bem como o princípio da não-sobreposição de concertos: o destino é o som do momento, onde quer que esteja a acontecer. Foi o que aconteceu mais tarde, já depois das 21h, com o concerto de MÁQUINA. no Palco António Variações: tantos corpos, de tantas idades, a deixarem-se convencer pelo rock da variante kraut (pensando no que bandas como os Neu!, os CAN ou os Tangerine Dream fizeram nos anos 1970: dançável sem doçura, latejante sem incómodo).
A fusão dessa estética industrial com uma estrutura pop e os rudimentos de uma tradição reconfigurada – já a conhecemos bem – esteve a cargo, neste dia, de Ana Lua Caiano. Com o álbum “Vou Ficar Neste Quadrado” na bagagem, bem como o êxito “Mão na Mão”, provocou uma das maiores enchentes do festival: bem antes do começo do concerto, pelas 18h45, o Palco Giacometti-INATEL estava defronte de um aglomerado humano, que se estendia por muitos metros. Canções intensas, com reflexões agudas sobre o que é ser adulto: precariedade versus a expectativa de independência. É apenas o disco de estreia, convém ser lembrado, e há espaço para as melodias crescerem.
Também no antigo coreto, pelas 15h30, São Pedro levou o nome dos Conferência Inferno de forma demasiado literal. O que não é para dizer que sofreram aqueles de nós que dançaram, ao som desta derivação de punk e disco sound, fazendo lembrar o no wave que imperou nas discotecas mais obscuras de Nova Iorque, fins dos anos 70. Isso é possível em Cem Soldos, no mesmo dia em que ouvimos uma das vozes mais icónicas da música portuguesa: Teresa Salgueiro, com uma voz cristalizada em âmbar, cantou D. Dinis, Luís de Camões, José Saramago e – é claro – José Afonso (“Maio Maduro Maio”, “Traz Outro Amigo Também”), perante um Palco Zeca Afonso mais que siderado, em estado de encantamento. “Viva o BONS SONS, viva a música portuguesa”, disse Teresa – e não precisa de emendas.