Muitos de nós associamo-lo à obra para televisão e cinema de David Lynch. E de facto a música feita de ambientes sombrios e assustadores ajudou a moldar o mood que fez da série um dos casos maiores da história da ficção para televisão. Tudo isto mais os momentos inesquecíveis criados para filmes como Veludo Azul, Coração Selvagem ou Mulholland Drive, sem esquecer o atípico Uma História Simples. De facto, e apesar das poucas exceções, o cinema de David Lynch teve quase sempre na música de Angelo Badalamenti uma das suas marcas de assinatura e identidade. Aos 85 anos o compositor, que teve também um percurso em discos vocais para diversas vozes em várias etapas da sua carreira, deixou-nos.
Nascido (em 1937) e criado em Nova Iorque, filho de pai siciliana e irmão de um trompetista de jazz, começou a tocar aos oito anos e bem cedo já trabalhava em hotéis numa região montanhosa no seu estado natal. Estudou música (passando pela Manhattan School of Music) e encontrou primeiros trabalhos já como profissional como autor de canções para as mais diversas vozes. Entre as suas primeiras colaborações estão nada mais nada menos do que nomes como os de Nina Simone (para quem assinou I Hold No Grudge e He Ain’t Comin’ Home No More do álbum de 1967 High Priestess of Soul), Nancy Wilson (em discos de 1967 e 68), Shirley Bassey (de 1969 o single Fa-Fa-Fa – Live For Today) ou Melba Moore (1970).
O cinema chegou aos seus braços no início dos anos 70, continuando a assinar as suas composições como Andy Badale, tal como havia feito nos discos vocais dos anos 60 e inícios de 70. Na verdade só em 1986 passou a assinar com o seu nome real quando, pela primeira vez, colaborou com David Lynch. Foi em Veludo Azul, filme ao qual foi inicialmente chamado para acompanhar o trabalho vocal de Isabella Rosellini… Acabou por criar a música para o filme (da qual nasce a belíssima canção Mysteries of Love), desenhando daí em diante as atmosferas pelas quais Lynch foi fazendo avançar as suas narrativas. A colaboração entre ambos teve o seu episódio de maior sucesso (que valeu um Grammy a Badalamenti) em Twin Peaks, tendo o compositor recordado várias vezes como começou a criar música ainda sem uma cena filmada, apenas com Lynch, ao seu lado, a descrever a ideia do que queria fazer… Assim nasceu o mítico Laura Palmer Theme, que deu o mote para a restante música, de perfil ambiental, mas sombrio, da série na qual não faltava uma contrastante toada jazz no tema de Audrey.
Foi por alturas de Veludo Azul que Badalamenti e Lynch se cruzaram com a cantora Julee Cruise, com a qual criaram depois os álbuns Floating Into The Night (1989) e The Voice of Love (1993). Estas parcerias surgem no quadro de uma nova etapa de colaborações de Badalamenti com músicos dos hemisférios pop/rock, que tinha dado primeiros passos, logo depois da primeira gravação com Julee Cruise em Mysteries of Love, com os Pet Shop Boys, para quem faz os arranjos de It Couldn’t Happen Here (do álbum Actually) e, mais tarde, de várias canções de Behaviour (1990). Nesta etapa de novas aventuras no mundo pop (e arredores) surgem ainda participações nos álbuns Results (1989) de Liza Minelli e Reputation (1990) de Dusty Springfield, em ambos os casos discos com presença dos Pet Shop Boys, o trabalho de escrita e produção em A Secret Life (1995) de Marianne Faithfull ou uma importante colaboração com David Bowie numa versão de A Foggy Day in London Town (para o álbum Red Hot + Gershwin). Raras vezes assumiu maior protagonismo num disco vocal. Mas fê-lo, incisivamente partilhando o processo de promoção, quando, em 1996, se juntou com o vocalista dos James, Tim Booth, para editar um álbum ao qual chamaram Booth and The Bad Angel. O anjo mau era, pelos vistos, Badalamenti… Outra ocasião em que partilhou este tipo de protagonismo foi quando, juntamente com os Orbital, criou Beached, para a banda sonora de A Praia, de Danny Boyle.
Ao cinema de David Lynch a música de Angelo Badalamenti juntou trabalhos conjuntos com realizadores como Paul Schrader, Jean Pierre Jeunet, Joel Schumacher, Nicole Garcia, Danny Boyle ou Walter Salles. Os seus mais recentes trabalhos para televisão e cinema tinham sido a banda sonora da terceira temporada de Twin Peaks e a criação dos tema para os genéricos de Between Worlds, de Maria Pulera e Koi de Lorenzo Squarcia. Deixou terminado o genérico de Wonderwall, de Vlad Marsavin, ainda por estrear.
Texto de Nuno Galopim