O jornal digital Médio Tejo conta que a proposta de um mural alusivo à famosa couve de Valhascos na fachada da associação cultural e desportiva da terra foi a mais votada no Orçamento Participativo do Sardoal. A cobertura do parque infantil do Jardim de Infância, que obteve menos votos, vai ter de esperar. Mas a sagacidade dos políticos locais permitirá encontrar, certamente, verba para a cobertura. Se a couve de Valhascos surge na heráldica, ao lado das mós e das rosas, o mural faz todo o sentido. E que não fizesse: ele reafirma o orgulho dos de Valhascos nas suas couves e responde firmemente à pergunta inscrita num breve poema de Jorge Sousa Braga em Herbário, um livro de 1999: “Couve de Bruxelas/Couve Lombarda/ Couve-galega/Couve roxa/Couve-flor/ Porque é que nunca houve/ ninguém que lhes fizesse/ um poema de amor?”
Na verdade, os de Valhascos fazem deste modo, à couve do seu orgulho, um poema de amor. Se pararmos em Valhascos e metermos conversa com um hortelão disponível talvez nasça uma boa discussão sobre se a couve famosa – tão famosa que em torno dela se ergue um festival que faz correr o mais fino fio de azeite novo – será afinal uma couve tronchuda ou uma couve de olho. Nas aldeias da Beira talvez ainda chamem ratinha à couve que outros dizem galega. Há dias, numa patuscada na aldeia do Pego, a conversa foi perfumada com a memória das migas carvoeiras e das couves arrapazadas.
“A couve adivinha a chuva”, garantiu há tempos um camponês da zona saloia quando lhe estiquei o microfone.
Não desprezeis a couve. Sem ela não temos “o caldo verde verdinho a fumegar na tigela” cujas virtudes singelas conquistaram os versos de Reinaldo Ferreira, Filho numa Casa Portuguesa escancarada pela voz de Amália, pão e vinho sobre a mesa. Com certeza.
O filho do Repórter X deixou obra poética inédita na qual Óscar Lopes e António José Saraiva chegaram a intuir o génio de um novo Pessoa. Nem de propósito: o Pessoa também se passava com caldo verde.
Mas a couve pode ser ainda convocada para a afirmação cívica. Aqui há uns anos, a população de uma aldeia de Castro Daire decidiu plantar couves nos buracos da estrada. Foi um modo mediaticamente eficaz de dizer. “Temos a burra nas couves”.
A todos os títulos, o mural de Valhascos é um manifesto tronchudo, uma ideia feliz. Uma ideia participada nunca é um caldo entornado.
Texto e rubrica de Fernando Alves
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