Inês Lopes, minha amiga que nunca vi, guardiã de Montemuro, faz saber que outros amigos se puseram em marcha procurando mitigar as grandes perdas de Carla e Jorge, pastores de Mões, a quem o fogo levou quase todo o rebanho de cabras, quase cem, mais os fenos e os currais. Lá dizem lojas.
Vou anotando o que, ao telefone, me conta Maria João Bonito, uma jovem engenheira agropecuária que coordena a transumância de vontades. Foi Inês que me deu o seu número, bom dia Maria João. Não cheguei a partilhar com a engenheira agropecuária rendida ao pastoreio de percurso a confidência de Inês: depois de há três anos ter dado com o companheiro o salto de Lisboa para Viseu, onde trabalha em modo remoto, ela encontrou no exemplo da pastora um estímulo que talvez a leve a deslocar, em breve, o centro da sua vida para Rossão, a bela aldeia de Montemuro atravessada pelo rio Balsemão. Maria João é a chamadora de amigos agora mobilizados para fazerem renascer das cinzas o rebanho de Carla e Jorge, pastores de Mões que tudo perderam. Cabras serranas certificadas.
“O que a levou a arregaçar mangas, Maria João?” Ela explica: “Quando eu e o Frederico decidimos montar o nosso negócio, a Carla e o Jorge foram as primeiras pessoas com quem falámos e que logo nos deram um forte incentivo”.
Sinto que Bernardo Soares, o guardador de rebanhos, nos escuta ao telefone, vai a conversa por veredas da pura emoção. “Eu nunca guardei rebanhos. Mas é como se os guardasse. Minha alma é como um pastor. Conhece o vento e o sol. E anda pela mão das Estações. A seguir e a olhar. Toda a paz da Natureza sem gente vem sentar-se a meu lado. Mas eu fico triste como um pôr de sol”.
Em Mões, onde quase cem cabras do rebanho de Carla e Jorge foram levadas pelo fogo, há um grupo coral e uma filarmónica que organiza a feira medieval na encosta virada ao rio Paiva. Mais depressa atravesso o nevoeiro do Mezio por uma vitela de Lafões do que por uma chanfana, mas cada pergunta que faço a Maria João, pastora de Rossão, é uma cabra serrana voadora, vai cabrinha, e eu para Maria João: “deve ser uma tristeza andar por esses campos”. E ela: “Não me pergunte isso que me faz chorar”.
E lá está Bernardo Soares, em modo remoto, como se espalhasse feno para as futuras cabras serranas de Carla e Jorge, pastores de Mões: “Sou um guardador de rebanhos / O rebanho é os meus pensamentos”.