Num outro 27 de Setembro, há 100 anos, o Diário de Lisboa contava em primeira página que um dos seus jornalistas, enviado à cadeia do Limoeiro, esbarrou com a inacessibilidade um pouco rude do doutor Pestana, director da prisão. “O dr. Pestana”, explica a notícia, “limitou-se a responder, secamente, que estava muito preocupado com um caso de grande importância passado no Limoeiro” e não podia distrair naquele momento a sua atenção. “O que será?”, interroga-se o redactor. “Que misterioso acontecimento teria solicitado, de tal maneira, a preciosa atenção do dr. Pestana?”.
Cem anos depois, na sequência de um outro ainda um pouco misterioso acontecimento, saiu de cena o director geral das prisões. Até que ponto terá a preciosa atenção do dr. Abrunhosa sido capturada pela circunstância ontem revelada, no Parlamento, pelo próprio, de não ter chegado à fala com a ministra por desconhecer o seu número de telefone?
Regressemos à primeira página do Diário de Lisboa de há cem anos: quem foi o dr. Pestana? Nesse dia em que o repórter esbarrou no muro das suas preocupações, o porto-santense Manuel Gregório Pestana Junior está a dois meses de aceitar a pasta das Finanças num governo de José Domingues dos Santos, empossado pelo presidente Manuel Teixeira Gomes. A República anda em bolandas e, não tarda, o dr. Pestana, entretanto envolvido na Revolta da Madeira, será deportado para Porto Santo. O republicano que, há cem anos, mergulhado em misteriosas preocupações, não recebeu no Limoeiro, com sorrisos, um repórter do Diário de Lisboa, viverá o bastante para saber de um filho militar envolvido na revolta de Beja e por isso enviado para o Aljube e para incutir valores republicanos ao neto António Garcia Pereira.
Nesse dia de há cem anos estará o dr. Pestana preso, ele próprio, no labirinto agónico da República ou mergulhado, atónito, nos desenvolvimentos da reportagem que o próprio Diário de Lisboa publicara na véspera sobre os, assim designados, “últimos atentados dinamitistas”.
No dia em que, passam hoje cem anos, publica a nota de primeira página sobre o dr. Pestana, director da prisão do Limoeiro, o Diário de Lisboa pergunta, com não disfarçado alarme, a toda a largura da oitava e última: “Lisboa está dominada por um novo Ravachol?”
É que, explica a tituleira, só nesse setembro de há cem anos, rebentaram quarenta bombas sem que tivesse sido preso um único dinamitista. Não teria, apesar disso, o dr. Pestana, às moscas a cadeia onde Bocage e Garrett bateram com os costados e onde Laborinho Lúcio criou um Centro de Estudos com o propósito de que a ideia de Justiça prevaleça sobre a de Direito.
Seriam, certamente, de vária ordem as preocupações do dr. Pestana, nesses dias de grande turbulência. Possa ele ter sorrido, muitos anos depois, ao testemunhar o alvoroço do futuro neto quando este se confrontou, folheando o Tintin, com as imprecações do capitão Haddock, “com mil milhões de macacos!”, “com mil raios e trovões!”, “Ravachol!”