Em 2009, por alturas da estreia de Avatar, muito se falou sobre o potencial deste blockbuster no futuro da indústria do cinema norte-americano. A proposta de James Cameron passava por um investimento inovador na tecnologia para trazer uma experiência imersiva e visualmente estimulante. Com o 3D em força nesses anos, o realizador quis fazer um filme em que o preço adicional pelos óculos fosse bem empregue.
O resultado foi outro gigantesco êxito, a juntar a Titanic, outro colosso de Cameron, que já aí queria mostrar a maneira como o digital poderia facilitar, e reinventar, a experiência cinematográfica. Com Avatar propôs não uma ficção histórica, mas uma saga num ano e numa galáxia muito distantes, com os humanos em Pandora, lugar misterioso habitado pelos Na’vi, uma população de pele azul e linguagem própria. O filme desenvolvia-se na descoberta desse mundo, com o antigo fuzileiro Jake Sully (Sam Worthington), que para poder analisar ao pormenor a espécie, assumia um “avatar” com as mesmas características dos Na’vi. O seu olhar dava a oportunidade aos espectadores de mergulhar nas florestas e locais secretos de Pandora, numa fábula ecológica sobre os crimes da humanidade contra a natureza e com o duelo entre humanos e Na’vi a pontuar o desfecho – e com Sully do lado dos últimos.
Naquele ano final da primeira década de 2000, o impacto de Avatar foi estrondoso: pode ter falhado o prémio máximo nos Óscares (e Titanic tinha arrecadado essa e outras dez estatuetas) e outras honras da crítica, mas tornou-se o maior sucesso de bilheteira do ano. E se fizermos os cálculos sem ter em conta a inflação, ainda hoje Avatar é o filme mais lucrativo de sempre, com quase 3 mil milhões de dólares de receita. A inovação tecnológica foi aclamada pelo público e pela indústria, abrindo caminho para outros desenvolvimentos nos efeitos especiais e para outros filmes a replicarem o uso do 3D.
Mas entretanto, passaram-se uns anos. Revisitar o fenómeno de 2009 hoje pode ser uma experiência peculiar. Treze anos depois, o CGI não parece tão inovador e entusiasmante, e outros defeitos saltam à vista: a narrativa fina como uma folha de papel, um elenco irregular liderado por um dos atores menos carismáticos de que há memória numa super-produção, e, acima de tudo, uma indiferença que perpassa pelas personagens monótonas e os momentos de ação – e o que não se quer de um filme com lutas e explosões é que elas não nos passem nenhuma intensidade. Mas mesmo sem pensar nestes fatores, e pensando apenas no fenómeno de massas que foi, não podemos dizer que Avatar se tenha fixado na posteridade e na cultura popular. Cameron prometeu sequelas logo depois do lançamento do primeiro, mas a enorme distância temporal entre ele e O Caminho da Água, que agora se estreia, deixa a incógnita sobre se esta nova aventura em Pandora poderá ser tão apelativa e financeiramente proveitosa.
Mas falemos então desta sequela: Skully tem agora filhos e lidera os Na’vi, mas a tranquilidade será rapidamente interrompida com o regresso do vilão do primeiro filme, que reincarnou num “avatar” graças à preservação das suas memórias e personalidade, e que quer apenas vingar-se do seu antigo subordinado por ter traído a raça humana e impedido os seus planos de colonizar Pandora e aproveitar os seus recursos. Os Na’vi fogem e acabam por se juntar a uma população diferente, uma espécie de anfíbios com boas relações com a bicharada que vive no mar.
Esta é a premissa para mais três horas de efeitos visuais, com James Cameron a aproveitar o seu fascínio pelo mar para filmar algumas cenas subaquáticas. Ao contrário do filme original, O Caminho da Água não tem um prólogo interminável: vai logo diretamente ao assunto, sem rodeios, sobre o que vai acontecer: em vez de ser um filme de descoberta de um mundo novo, será mais um épico de guerra, elevando ao cubo a última parte do tomo anterior, com a luta entre humanos e esta civilização a assumir outras proporções.
Mas o lado de demonstração da tecnologia não está posto de parte: entre os combates e os dramas familiares, ficaremos a conhecer o novo mundo em que os Na’vi se inserem, a explorarem as águas e os seus múltiplos perigos e surpresas. E se Avatar deu que falar pelo lado visual, o mesmo se pode dizer d’O Caminho da Água, com mais ambientes deslumbrantes e com todo o aspeto subaquático que o torna mais fascinante para quem o vir no grande ecrã.
Além do trabalho visual voltam outros elementos do primeiro filme, como os temas da marginalidade e da preservação da natureza, e algumas das coisas menos boas, como os diálogos infantis e a narrativa não tão desenvolvida como se gostaria. Mas um filme de ação que se preze pode até falhar na escrita se compensar no resto, e Cameron conseguiu ir ao osso da questão, apostando mais na eficácia dos momentos de confronto: apesar de ter também nos deixar indiferentes a espaços, é notória a melhoria da construção das sequências da guerra, com principal destaque para todo o desenlace, quase como que a “batalha final” entre humanos e Na’vi… que, como saberemos, está longe de ser mesmo a final.
Com menos humanos a pontuarem o filme, quase todo dominado pelos azuis (dos Na’vi e das outras criaturas, de tom mais claro), O Caminho da Água continua a intenção da saga de ser um filme de denominador comum, matraqueando as questões disneyanas da importância da família e algumas sub-narrativas fáceis de digerir. Mas ao contrário do primeiro filme, as personagens têm alguma espessura, o que ajuda a ver um filme tão longo sem desesperar – e para isso também ajuda o facto de Worthington só estar presente na sua versão Na’vi, mais expressiva do que o ator unidimensional que lhe dá voz.
James Cameron podia ter oferecido apenas uma reinvenção de Avatar com outro embrulho, e não é que não faça isso em certa medida, mas é notória a intenção de dar algo mais, com a câmara a não servir somente como “montra” das “maravilhas” digitais, e que era um dos problemas do filme de 2009. Não chega, ao contrário de algumas personagens, a voar muito alto, mas consegue entreter sem ofender e dar mais estímulos para além dos das paisagens vistosas.
Mas depois de ver mais um épico azulado, com uma duração claramente excessiva para o que quer contar, restam duas perguntas: Será que o público vai aderir com igual força a este regresso? É questão de aguardar pelos resultados das bilheteiras. E será que os efeitos vão envelhecer bem e vamos continuar a vê-los com a mesma riqueza? Voltamos a falar daqui a treze anos.