É certo que é sempre subjetivo e relativo dizer-se, como o afirmou José Saramago, que a língua portuguesa é a mais bela do mundo. Assim como o orgulho materno elege como a melhor a sua prole, a língua materna de cada um tende a ser vista como a mais interessante, quanto mais não seja porque nos é congénita e habitual. Porém, no caso da língua portuguesa, de que hoje se celebra mundialmente o dia a esta dedicado, há alguns dados objetivos que a tornam, pelo menos, relevante e valiosa. Neste caso, o número de falantes espalhados por múltiplas latitudes e o facto de ser um idioma muito rico, amplo e diversificado (a nível lexical, gramatical, de espectro semântico, histórico, cultural, etimológico ou mesmo “criativo”). O facto é que até a língua portuguesa, além da nossa identidade como povo, parece ter uma vocação “atlântica”, pelo menos no sentido da imensidão, profundidade e largura de horizonte (não foi por acaso que Vergílio Ferreira disse “da minha língua vê-se o mar”).
Como património cultural imaterial com o seu soft power, a língua portuguesa viu ser instituído em 2019 (com efeito em 2020), na 40.ª Conferência Geral da UNESCO, o Dia Internacional da Língua Portuguesa (antes disso havia apenas o Dia da Língua Portuguesa e da Cultura, criado em 2009 para a mesma data). Aprovada por proposta de todos os países lusófonos e com apoio de mais 24 Estados (entre eles, Argentina, Chile, Geórgia, Luxemburgo ou Uruguai), esta data honra também aquela que foi a língua da primeira vaga de globalização (nos séculos XV e XVI) e que é utilizada por mais de 265 milhões de falantes (cerca de 3,7% da população mundial), sendo ainda o idioma mais falado no hemisfério sul e o terceiro mais usado no hemisfério ocidental. E, apesar de a CPLP ser uma utopia que pouco mais é do que pura retórica e uma manta de retalhos descosida, é evidente o potencial valor “transacional” da língua que a une.
Com uma grande extensão geográfica, destinada a aumentar, o português é também, para lá de língua oficial dos nove países da CPLP e de Macau, idioma de trabalho ou oficial de múltiplas organizações internacionais, como a União Europeia, a União Africana ou o Mercosul. Além do mais, como instrumento linguístico que foi sofrendo uma longa evolução e sedimentação deste a fundação da nação, com o galaico-português como base, é também portadora de um vasto lastro histórico, cultural e humano enriquecido por séculos de utilizações que vão desde os complexos contributos da literatura e de outras artes que a reclamaram e elevaram até aos usos políticos, diplomáticos, estratégicos, interculturais ou multilíngues que a expandiram e “rentabilizaram”, entre tantos outros.
Como escreveu Guilherme d’Oliveira Martins, “não se pense que a tendência futura é para a existência de uma única língua franca (…); num mundo globalizado, não falamos da língua portuguesa como uma realidade fechada, mas de uma realidade aberta e em movimento, e aí está a sua riqueza e as suas virtualidades”. Daí que a língua portuguesa, além de fazer interagir gerações de falantes nos seus países e diásporas, ganhe também com essa variedade intercultural uma elasticidade criativa e expressiva que só contribui para a manter como um património vivo e dinâmico.
Texto de Nuno Camacho
Esta sexta-feira, depois das 16h20, recebemos dois convidados que trabalham a língua e a forma como a usamos bem ou mal: Carlos Rocha, coordenador executivo da plataforma Ciberdúvidas, e Manuel Monteiro, revisor linguístico e autor dos livros Por Amor à Língua e O Mundo pelos Olhos da Língua. Não perca a conversa com Filomena Crespo na tarde da Antena 1.