François Ozon está de regresso à comédia com O Crime É Meu, um exercício que cruza o registo irónico e humorístico com o policial lúdico. No centro desta comédia policial ambientada na Paris de meados dos anos 30 encontramos Madeleine Verdier, uma jovem mulher que divide um apartamento alugado com uma amiga e que, na esperança de ver realizado o seu sonho de ser atriz, mas também por estar a passar por dificuldades financeiras, tenta conseguir junto de um grande produtor de teatro um papel numa nova peça em preparação. No entanto, quando esse produtor aparece morto ela torna-se uma das principais suspeitas do crime. Aproveitando essa perversa “oportunidade”, arquiteta, com a ajuda da amiga, uma advogada desempregada, um estratagema para assumir a autoria de um crime que não cometeu, pelo qual acabará por ser julgada e absolvida por legítima defesa, tornando-se uma estrela e um ícone feminista.
Tirando partido dos ventos do ar do tempo, o realizador francês leva a bom porto uma sátira mordaz ao atual clima woke e pós-#MeToo que, de modo geral, se traduz numa guerra dos sexos em que até simples e triviais “microagressões” se transformam em furacões mediáticos e convenientes “violações”, como se de uma orwelliana novilíngua feminista se tratasse, tudo a coberto de um politicamente correto sempre pronto a levantar processos de intenções. Neste caso, é um crime alheio de cuja culpa se apropria o móbil que impulsiona para o estrelato uma atriz aparentemente sem talento que, no entanto, se revela ironicamente talentosa no palco da própria vida, como se só no meio da realidade pura e dura a chama do seu jeito para representar se acendesse.
Como sublinhou François Ozon, O Crime É Meu é um filme sobre a sororidade e a fraternidade feminina. Depois de 8 Mulheres (2002) e de Potiche (2010), dois filmes sobre mulheres, este olhar arguto sobre as dinâmicas de poder e o estatuto das mulheres é também um tributo à força que têm e tiveram na luta contra o patriarcado. Ao lado das ainda pouco conhecidas mas excelentes atrizes protagonistas Nadia Tereszkiewicz e Rebecca Marder encontramos ainda uma exuberante Isabelle Huppert.
Texto de Nuno Camacho
O Crime É Meu, de François Ozon, é um dos destaques no episódio desta semana de Duas ou Três Coisas, com João Lopes e Nuno Galopim.