A história repete-se. É sempre com o fogo-de-artifício, ao arranque do último concerto no Castelo de Sines, que nos apercebemos do fim do FMM – no que diz respeito a 2024, é claro. A edição comemorativa do 25.º aniversário já tem datas confirmadas: de 18 a 26 de julho de 2025, como revelado em primeira mão à Antena 1 pelo Presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas.
Se a sensação é agridoce, a pirotecnia é simétrica: os Son Rompe Pera, os primeiros artistas da América de fala espanhola a encerrar o festival, deram um espetáculo justamente explosivo. Não é difícil imaginá-los, nos seus princípios, como entretenimento de casamentos e festas: a energia é circular entre palco e plateia, não com êxitos de música popular, mas com um recital de marimba e percussão (e apontamentos de guitarra elétrica). É a cumbia mexicana a namorar com o punk, sem resvalar para a cacofonia possível; são os braços incansáveis dos irmãos Gama a acertar com as baquetas, implacáveis, nas lamelas de madeira do instrumento.
JP Simões canta José Mário Branco, encanta Sines
A marimba já marcara presença no fim de tarde – mais branda, mas com o devido impacto, nas mãos de Duarte Ventura, como o toque final nos arranjos de Nuno Ferreira, a par do contrabaixo de Pedro Pinto e da percussão de Ruca Rebordão. E a voz?
“Contas e contas se fazem num dia/ Ai quantas contas se fazem num dia/ Corpos caídos vidas aos bocados”: o canto não era de José Mário Branco, embora o timbre de JP Simões pudesse deixar o ouvinte na dúvida. A cor vocal é uma das parecenças entre os músicos, tal como a ética artística, mas este projeto não é uma fotocópia do autor de “Ser Solidário”. Foi o que JP Simões expressou em entrevista à Antena 1: a teatralidade de José Mário Branco fica nas palavras que canta, sem que isso altere a sua linguagem corporal.
Os arranjos – instrumentais e vocais – de temas como o vitorioso “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades”, “Travessia no Deserto” ou “Cada Dia São Cem” brilham, entre a reverência e a margem, iluminadas por um novo olhar. Houve ainda tempo para homenagear José Mário Branco como produtor, repescando “Maio Maduro Maio” de José Afonso, e ainda Fausto, com “Lembra-me um sonho lindo”.
O “reEncanto” de Mayra Andrade e o triunfo de Eliades Ochoa
Há algum arrojo em trazer um concerto acústico, especialmente pelas 21h, a um festival associado com ritmo e forte pujança instrumental. Mas Mayra Andrade e Djodje Almeida fizeram as vezes de uma banda maior: voz e guitarra num cenário doméstico”Sinto-me princesa no castelo”, disse a cantautora, recebida como tal no FMM, lançando-se às canções com um gosto notório, permitindo à sua voz um e outro luxo, saboreando aliterações e estendendo sílabas; afinal de contas, são composições suas.
“Em 2022, enquanto gerava uma vida em mim, nasceu essa vontade muito visceral de voltar à nudez desta música, antes dos arranjos, da produção, de como nascem estas canções – num sofá, em casa, muito bem acompanhadas. Conto histórias de mim, dos outros, do país de onde venho”, explicou. “Eu nunca tinha tido esse corpo a corpo, esse face a face com o público.” O espetáculo “reEncanto” permitiu suprir essa lacuna, revisitando toda a discografia de Mayra Andrade, tendo sido o material do último álbum, “Manga” a reclamar a maior reação, incluindo a faixa-título, “Manga” e “Vapor di Imigrason”.
“Como está o ambiente?”, começou por perguntar Eliades Ochoa, o guitarrista e cantautor que contribuiu para a lenda dos Buena Vista Social Club. “Bueno!”, decidiu, perante o vigor do público; seguiu-se uma lição de elegância – com Ochoa, homem de negro, em contraste com os fatos e chapéus brancos de uma banda vestida a preceito – e ritmo, intercalando as faixas do álbum “Guajiro” com clássicos como “Chan Chan”, “El Cuarto de Tula”, “El Carretero” ou “Pintate Los Labios María”.
O FMM Sines volta em 2025 – e a rádio pública lá estará de novo.