Com enorme sucesso tanto em Portugal como no Brasil, voz maior da canção romântica em língua portuguesa, com ex-libris na canção “Olhos Castanhos”, que foi caso sério de vendas em ambos os lados do Atlântico, Francisco José junta ainda a uma discografia registada entre os anos 40 e 80, um episódio marcante na história da televisão portuguesa quando, em 1964, comentou, em direto, a discrepância de cachets praticados entre artistas portugueses e estrangeiros, o que levou a RTP a optar por não fazer mais diretos em programas de entretenimento, com únicas exceções para o Festival da Canção e o Natal dos Hospitais.
Nascido em Évora, a 16 de agosto de 1924, Francisco José (aqui não o vou tratar por tio) cantou pela primeira vez em público numa festa de finalistas do liceu, em Évora. Mas a coisa ficou, por ali, como hobbie… Anos depois, quando frequentava o terceiro ano do curso de engenharia civil, em Lisboa, (e trabalhava já no LNEC), apresentou-se no Centro de Preparação de Artistas da Emissora Nacional. O ano era o de 1948. E, perante o entusiasmo de novas perspectivas que então se abriam, o rumo profissional desviou-se de um eventual futuro na engenharia para a música. E nos anos 50, munido já munido um repertório de canções românticas, as primeiras gravadas em Espanha e editadas em discos de 78 rotações, era já uma voz popular em Portugal, iniciando em 1954 um percurso em paralelo no Brasil para onde acabaria por se radicar. Chamavam-lhe então “o coração que canta”.
Depois de primeiros anos de muito trabalho sem resultados gigantes, o sucesso finalmente chegou ao Brasil na alvorada dos anos 60l. E em 1961 tornou-se no primeiro cantor português a obter um sucesso com vendas superiores a um milhão de discos com a canção “Olhos Castanhos”, que se tornaria o seu ex-libris. De facto, depois de Carmen Miranda (na verdade praticamente crescida e criada no Brasil, para onde a família se mudou logo após o seu nascimento) e das irmãs Cidália, Rosália e Milita Meireles, foi mais um caso de sucesso de um português no panorama da música popular no Brasil.
Em 1964, por ocasião de uma viagem a Portugal, Francisco José mudou o modo de a televisão pública lidar (durante dez anos) com o “risco” dos diretos. Numa emissão da RTP (em direto) criticou o modo como os artistas portugueses eram pagos. Falando expressamente contra as indicações que lhe haviam sido dadas depois de ter protestado sobre os valores do seu cachet, notou a enorme discrepância entre os valores que eram atribuídos aos artistas portugueses e os dados aos estrangeiros que ali se apresentavam. Terminada a emissão foi detido e interrogado, iniciando-se um processo que, apesar de não ter tido consequências maiores em tribunal, acabou por levar ao seu quase apagamento mediático deste lado do Atlântico.
O sucesso abraçara-o, até então, de ambos os lados do Atlântico e no Brasil, onde o estatuto não foi beliscado pelo incidente na RTP, chegou mesmo a ter um programa de rádio e um de televisão, tendo gravado música para uma telenovela da TV Tupi em 1968. O impacte no Brasil cruzou os tempos e grandes nomes d música brasileira referiram em diversas ocasiões a sua memória. Fafá de Belém gravou uma versão dos “Olhos Castanhos”, que Caetano Veloso também cantou, neste caso em dueto com Eugénio Melo e Castro.
Sempre que cantava juntava aos alinhamentos canções com referências a Portugal, tendo gravado, na década de 60 canções que traduziam essa relação, então feita mais à distância, como “Recado a Lisboa”, “Escadinha de Lisboa”, “Lisboa à Noite”, “Meu Alentejo” ou “Évora”, tendo ainda registado ora versões de clássicos como o “Uma Casa Portuguesa”, “Nem Às Paredes Confesso”, “O Tempo ! Volta Pra Trás”, “Lisboa Antiga” e “Coimbra” ou êxitos recentes da canção ligeira como “Lado a Lado”, “Vendaval”, “Só Nós Dois” ou “Alcobaça” nos anos 60, tendo na década de 70 recriado “Guitarra Toca Baixinho”, “Canoas do Tejo”, “Eu e Tu” ou “Pedra Filosofal”. No álbum “Ó Tempo Volta Pra Trás” , gravado em 1967, cantou um soneto de Camões para o qual ele mesmo fez a música.
A sua longa presença no Brasil, com casa no Rio de Janeiro, em Copacabana, levou-o também a refletir essa mesma relação através de canções como “A Guanabara Se Vestiu de Chita” tendo, em 1962, lançado o álbum “Sucessos De Ouro Da Música Romântica Brasileira”. Expressamente criadas para si tornaram-se êxitos canções como “Olhos Castanhos”, “Estela da Minha Vida” ou “Como é Bom Gostar de Alguém”, todas elas assinadas pelo maestro Alves Coelho Filho, que foi talvez o mais marcante dos seus colaboradores criativos. O fado-canção, o bolero, o samba, foram géneros maiores numa discografia que o definiu sobretudo como cantor romântico. Regressado de vez a Portugal já na década de 80 do século XX, dividiu o seu tempo entre derradeiras gravações, entre as quais “As Crianças Não Querem a Guerra”, single de 1983 e o retomar de um percurso académico, tendo chegado a dar aulas de matemática. Morreu em 1988 com 63 anos.
Texto de Nuno Galopim
Para assinalar o centenário de Francisco José, João Carlos Callixto esteve à conversa com Rui Santos na manhã da Antena 1: