Encontro na estante um breve e denso livro de poemas de António Franco Alexandre, “Aracne”, editado há vinte anos pela Assírio & Alvim. Procuro aqueles versos iniciais de um dos poemas, tão tocado por uma espécie de pulsão metamórfica: “Ser o homem-aranha não me tenta, /prefiro a vida táctil dos insectos/ que ainda na morte se conservam puros, /assim na estante, entre os melhores objectos”.
Aguardo que neste recanto da estante possa surgir uma minúscula teia cuja aranha se não enfureça com “A Mosca Iluminada”, de Natália.
Sucedem-se, entretanto, as notícias de novos super-poderes criados pela ciência. Eles rasgam os limites dos super-heróis.
Agora que se anuncia o regresso do Homem-Aranha, investigadores de Massachusetts abrem a possibilidade de, num qualquer daqui a nada, dispormos de tecnologia muito sofisticada de lançamento de teias. Trump, que já inspirou vilões da Marvel, mais aranha venenosa que sombrio alter ego de Peter Parker, adoraria que Elon Musk lhe oferecesse o fabuloso engenho agora testado em laboratório que lhe permitiria capturar objectos oitenta vezes mais pesados ou enredar adversários oitenta vezes mais clarividentes. É o que os cientistas acabam de almejar em laboratório.
Um jornal digital brasileiro dedicado à inovação tecnológica cita um dos cientistas que recriam o poder desmesurado guardado em casulos. Ele explica como a criação de um material cuja força está ainda muito aquém da tremenda força da seda natural produzida pela aranha, mil vezes aquém, permite superar um bloqueio ancestral: a aranha não consegue lançar a teia que produz.
O Homem-Aranha consegue, nos quadradinhos da BD ou na feérica vertigem dos grandes ecrãs.
Os cientistas estão à beira de superar ambos, aranha e super-herói.
Eles trabalham o fio de seda arremessável, como um obus, um braço ninja. A aranha ensaia o salto. Mais poderosa que um herói da Marvel.
Há uns anos alguém revelou que um fio de seda com a espessura de um lápis permitiria montar uma teia capaz de enredar um avião em pleno voo. Nada que uma sabedoria antiquíssima não tivesse já enunciado. Um provérbio africano, recuperado por Mia Couto, no livro “A Confissão da Leoa”, lembra-nos que quando as teias de aranha se juntam, conseguem aprisionar um leão.