A notícia dá cinco linhas a duas colunas numa página discreta do JN. Maior é a fotografia que a acompanha, mostrando um papagaio cinzento ao ombro de uma senhora com rabo-de-cavalo, de costas para o leitor. Uma acção bem sucedida da polícia de Oeiras permitiu recuperar um papagaio que havia sido furtado. Afinal, o bicho, avaliado em mil euros, estava em casa da vizinha.
A notícia não alimenta o folhetim da duvidosa contiguidade num prédio de Oeiras. Terá sido, até ao desfecho do caso, cordial a relação entre as duas vizinhas? Ou roeriam, elas, na respectiva casaca, reciprocamente, pela calada? E o papagaio anotaria, para memória e serventia futura, o caudal de maledicência da legítima proprietária, com seus botões de mau olhado? A notícia não vai por aí.
Pede a nossa fantasia, talvez, um pouco mais de louro ou de verde à ficha do papagaio cinzento. Estaremos em presença (ou até ontem em ausência) de um papagaio noticiarista, de um papagaio comentador, de um papagaio propagandista de banha da cobra, de um papagaio coscuvilheiro, palavroso, de risada áspera, quase maléfica? Ou de um papagaio sisudo, moita carrasco? Porque há papagaios assim e assado.
Nas “Quadras ao Gosto Popular”, Fernando Pessoa descreve-nos o papagaio do paço: “O papagaio do paço / não falava – assobiava. / Sabia bem que a verdade / não é coisa de palavra”.
O papagaio de Oeiras não dá, na notícia, talvez porque não possa dar, um ar da sua graça. Não solta um dichote amável ou agreste sobre Isaltino. Não pede que o levem ao parque dos poetas. Ficamos sem saber se a proprietária escutou um palavrão seu encostando o ouvido calhandreiro à parede da vizinha. Muito menos saberemos se nos apartes de serões futuros cruzará desabafos, as várias tonalidades de ai jesus das duas vizinhas agora, por sua causa, inimizadas.
E será sua, do preciso papagaio cinzento de Oeiras furtado pela malvada vizinha de sua dona, a fotografia que surge na breve de jornal? O mais certo é que não. Para todos os efeitos, mesmo os noticiosos, está o cinzentão longe de merecer o óleo gasto por Cezanne no célebre quadro “Mulher com papagaio”. Se olharmos o quadro com atenção veremos que toda a luz pousa sobre a mulher e não sobre o papagaio verde pousado na sua mão que quase pousa no seu ombro.
Esta notícia é, afinal, mais um alerta para a cupidez malévola dos vizinhos do que para a sorte de um papagaio cinzento que dificilmente alcançará, mesmo embalsamado, num futuro mais ou menos distante, a inspiração genial de um novo Flaubert.