Só o Germano, o formidável Germano Silva, mais do que andarilho e cicerone, cuidador da sua mui nobre cidade do Porto, só este nosso irmão mais velho, o Germano do olhar doce, cujas mensagens acabam, muitas vezes, quase sempre, com um xi, um xi coração tão terno como as mãos de mestre Teixeira Lopes torneando a Flora, só ele me faria colher pela segunda consecutiva manhã, do JN, o pretexto para esta crónica.
Na verdade, o meu olhar passa rente à página como se eu me estivesse espantando junto à Cordoaria e ele me estivesse sorrindo no grande mural, um sorriso de 16 metros com boina nesta parede do velho burgo que uma página de jornal também é. A repórter Marta Neves recolhe de Germano a alegria de quem se reconhece, como se se olhasse a um espelho, no traço do artista urbano Mr Dheo, grafiteiro de tantas cidades. Mr Dheo pousa com Germano junto ao mural, o velho mestre traz o mesmo boné que usa no mural da Cordoaria e logo lhe foge o pensamento para a memória de um lugar que acolheu os celeiros e os quartéis da cidade antes de ser a concha da casa da Justiça, sem afugentar aqueles Treze a Rir Uns dos Outros que o madrileno Juan Munoz ali sentou para nosso gáudio. Mr Dheo espalha um spray de palavras certeiras: “Acho que consegui retratar a pureza e a simplicidade do Germano”, disse ele. Confio num artista urbano que apanha o segredo do olhar de alguém como o Germano. E agora, se me dão licença, vou ali ao jardim.
Um dos lugares que gosto de revisitar, quando estou no Porto, é o Jardim da Cordoaria que, na verdade, se chama jardim João Chagas. Muito do encantamento que este jardim exerce em mim foi crescendo quanto mais nele incidiu, para meu proveito, a luz do olhar do Germano. Soube pelo mais velho da tribo terem sido os grandes plátanos da Cordoaria a inspirar Jorge de Sena na composição da Ode aos Plátanos – “ó plátanos dourados e nodosos! / – que sempre o mesmo Outono vos consola, / dormência igual, Inverno já tão próximo…”
Os plátanos da praça onde os antigos cordoeiros entrançavam uma arte marinheira não colhiam, todavia, um olhar benigno de todos os frequentadores do jardim. O Germano deixou dito e escrito, a quantos nas árvores torturadas não vislumbram poesia, que esse é um desígnio dos poetas.
Lá vou, jardim adentro, espantar com os olhos a gaivota pousada na cabeça de Ramalho e saudar o Nobre que merecia um busto de maior vulto. Querido Germano, um xi.