Ontem, no jantar de Natal do grupo parlamentar do PSD, Luís Montenegro ofereceu aos deputados do seu partido um astrolábio. Não será prenda tão valiosa como a peça similar encontrada, há tempos, nos destroços de uma nau do Gama, tida como a mais antiga do mundo. Mas é igualmente prenhe de significação.
O astrolábio serve para determinar a posição dos astros no céu e para definir os pontos cardeais. Não é coisa pouca.
Luís Montenegro ofereceu ainda aos deputados do PSD um relógio nocturno que será de óbvia utilidade na definição de intervenções em horário nobre. Mas detenhamo-nos no astrolábio, no “hermético astrolábio” de que fala um poema de Drummond, quando observa os namorados que perseguem o sol “no dia findo”.
Ao depositar o instrumento náutico nas mãos do presidente do grupo parlamentar, Montenegro faz de Hugo Soares o seu almirante, o seu Gama pronto a enfrentar mostrengos e adamastores nas águas alevantadas deste tempo em que parece vigorar, ele o disse, uma “cultura do caos”. Desse ponto de vista, seria talvez mais avisado guardar a prenda para o PS que Montenegro classificou como “um partido desorientado”.
Sobrará para Montenegro, neste convés ficcional, o papel de Príncipe Perfeito?
Analistas apressados serão tentados a detectar, na escolha de Montenegro, uma alusão às subtis movimentações do almirante Gouveia e Melo. Logo agora que o almirante garante a sua determinação firme em, passando à reserva, nunca mais falar da Marinha…
A anunciada reserva do almirante quanto a tais temáticas parece vogar em sentido contrário a uma sua quase certa candidatura a Belém. Como poderá o almirante cumprir esse voto de silêncio se, em caso de vitória nas presidenciais, terá de assumir o comando supremo das Forças Armadas? E como cumprirá tal desígnio quando, em função de incumbência do cargo a que, tudo o indica, se candidatará, lhe couber pronunciar-se sobre as águas territoriais, ó mar quanto do teu sal?
Em futuros natais, indo Montenegro a Belém, em cumprimentos, levará como prenda um sextante, uma carta de marear, um velho portulano resgatado ao nevoeiro pela voz de Zeca Medeiros?
Tomemos que esta incursão náutica do primeiro ministro tenha pretendido apenas sublinhar a consciência de que navegar é preciso.