O Dia Internacional da Educação, assinalado a 24 de Janeiro por decisão das Nações Unidas e este ano dedicado à discussão sobre como “preservar a autonomia humana num mundo de automação”, passou inteiramente ao lado das edições em papel dos principais jornais diários portugueses.
Mas o El Pais dá grande destaque ao relatório com que a Unicef marca o dia e que deita contas ao impacto de fenómenos meteorológicos extremos no acesso à educação. Os números são brutais: só no ano passado, o acesso de 242 milhões de crianças à escola foi interrompido pelo agravamento da crise climática. Dito de outro modo: uma em cada sete crianças do mundo foi roubada à escola pelo desvario das tempestades, dos fogos descontrolados, das ondas de calor, das inundações que trazem por arrasto epidemias e redução do acesso a água potável. A Unicef sublinha que 74% dos alunos impedidos de ir à escola por uma qualquer manifestação extrema da crise climática vivem no lado pobre do mundo. A pobreza não é ar que se respire.
Uma das fotos com que o El Pais ilustra este relatório mostra uma criança caminhando entre escombros, num lugarejo devastado. Fosse o plano mais apertado e poderia ser Gaza. É Shaikh Jalal, no Afeganistão, depois das inundações de maio do ano passado.
Outra fotografia dá-nos a ver uma sala de aulas numa escola primária das Filipinas na qual foi amontoado equipamento danificado pela passagem de uma tempestade tropical: vêem-se dezenas de ventoinhas espalhadas pelo chão, projectores avariados, um globo terrestre que se perdeu da rotação da Terra.
O relatório da Unicef lembra que as crianças são muito mais vulneráveis a fenómenos extremos como ondas de calor ou inundações. Todavia, os investimentos visando a protecção climática das escolas são quase sempre insuficientes, muitas vezes nulos. Também por isso, os cenários irão agravar-se. Num outro relatório recente, a Unicef calcula que em 2050 o número de crianças expostas a ondas de calor extremas será oito vezes maior do que o registado no início do século.
Os que arrumam as notícias do mundo em prateleiras estanques, tenderão a lembrar que o tema proposto para a celebração do Dia Internacional da Educação – “IA e Educação, preservar a autonomia humana num mundo de automação” – escapa, até mais ver, ao descontrolo e à fúria dos elementos. Mas a Resolução das Nações Unidas que cria este dia-farol invoca o papel da educação na quebra dos ciclos de pobreza e reforça o entendimento de que a educação é um pilar fundamental da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.
As prateleiras estanques esvaziam de sentido as palavras mais nobres e as ideias que elas sustentam. Toda a sorte de negacionistas, não apenas os do clima, também os da honradez e os da dignidade humana, tenderão a cavalgar de forma ilegítima as ferramentas à mão. O deputado de quem se fala pelas piores razões invocou ontem a possibilidade de terem sido as imagens que o comprometem geradas pela inteligência artificial. Tantas as pontas de reflexão neste Dia Internacional da Educação.