Neste pico de campanha, os candidatos afinam as malhas da argumentação, tentando ser contundentes, incisivos, ágeis e, cada vez mais, divertidos. A apetência crescente pela participação em programas de humor supõe que, para lá da coerência, da eficácia, da clareza, da razoabilidade das suas propostas, um candidato espirituoso e folgazão leva vantagem sobre um outro mais sisudo, circunspecto, dado ao rigor das propostas.
Há dias o jornal digital Notícias ao Minuto revelava quais os signos “mais divertidos do zodíaco”. Tomei nota: carneiro, sagitário, balança. Esses, explicava o jornal, eram os mais joviais, os mais susceptíveis de gerar ganhos de causa pelo estilo folgazão.
Tratei de conferir, consultando a ficha dos dirigentes partidários que disputam a atenção do eleitorado. Quais, dentre eles, merecem o favor dos astros, tomando como boa a peneira do jornal digital?
A crer no sopro astral sugerido, só os Carneiros Rui Rocha e Pedro Nuno Santos e o Balança Paulo Raimundo colhem as boas graças ditadas pelas coordenadas celestes. Esta não é uma peneira rigorosa, sei do que falo. eu próprio escrevi, há muitos anos, signos para um jornal de média expansão. Usei esse poder, uma outra vez, para despejar inclemência astral sobre tipos com quem não me sentaria à mesa. Claro que o senso comum não a tomará como instrumento de avaliação credível. Puxei o tema para esta janela porque, ligando a televisão ou folheando o jornal, a campanha nos é dada como uma sucessão de momentos pícaros, quase anedóticos.
Mas a verdade é que os solistas da campanha afinam quando lhes fazem perguntas menos afáveis, podendo mesmo descartar temas sérios e de necessário esclarecimento, despachando-os com o rótulo de “mexericos”. Percebe-se que os candidatos não entrem na campanha determinados a causar uma má impressão, mas tantas vezes desejamos que eles não cedam ao divertimento da agenda comunicacional.
Seja como for, se uma qualquer Lili Caneças disser, num qualquer programa de entretenimento, que Pedro Nuno Santos “parece estar sempre a ralhar”, o visado tratará de ripostar, compondo a mais afável candura: “Sou bem disposto, simpático e bom rapaz”.
Como lembrou, há tempos, no jornal Estado de São Paulo, o jornalista Eugénio Bucci, que é também professor na Universidade de São Paulo, “o entretenimento engole a política”.
Esta leveza, tão leve, levezinha, pode vir a cair-nos sobre a cabeça.
Cá vamos cantando e rindo. Não nos queixemos, adiante, da falta de estadistas.