Certa vez, Zeus perguntou a Páris qual a deusa mais bela do Olimpo. Não se tratou de um momento suave e aéreo, em conversa despreocupada entre o filho de Príamo e o rei dos deuses, senhor dos raios e dos relâmpagos. Qual a deusa mais bela, Hera, Afrodite ou Atena? – perguntou Zeus ao príncipe de Troia. Na verdade, Zeus estava ordenando a Páris que lhe apresentasse um veredicto. Páris contemplou, despidas de véus, tal como o grande pintor Rubens no-las revelou, as três deusas. Cada qual lhe prometeu benesses tamanhas, se fosse dele a preferida. E Páris escolheu Afrodite, aquela que, a crer num poema de Saramago, nasceu “das algas trémulas, do trigo, dos braços da medusa, /das crinas dos cavalos, do mar, da vida toda”.
Grata por seu julgamento, Afrodite concedeu a Páris a mais bela mulher do mundo. E ele escolheu Helena, de Esparta. E com essa escolha provocou a guerra de Troia.
O grande Rubens fez duas versões desses instantes em que o coração de Páris vacila diante da beleza sem véus de três deusas, muito antes de uma seta envenenar o calcanhar de Aquiles ou de Heitor ser arrastado pelo chão em redor das muralhas de Troia.
O jornal La Vanguardia mostra-nos hoje o momento em que o magnífico óleo sobre madeira guardado no Prado é colocado por trabalhadores da Caixa Forum de Barcelona na parede onde ficará exposto juntamente com outros quadros de Rubens e de outros artistas do barroco flamengo, a partir de 29 de Maio, até 21 de Setembro.
O título de La Vanguardia para a notícia ilustrada com o Julgamento de Páris é primaveril: “A viagem de um Rubens leve de roupa”.
A imagem dá-nos mais do que a beleza suspensa de três deusas diante do seu julgador. É em si mesma, esta fotografia, um quadro composto. Seis operários da Caixa Fórum e dois escadotes rodeiam a obra-prima acabada de pousar no chão da galeria. Há um operário no alto de cada escadote. Outros dois, mãos enluvadas, preparam-se para um último
esforço, elevando o quadro até ao ponto onde ele aguardará o olhar cativo dos visitantes. Os outros dois operários, ligeiramente curvados, vão segurar o quadro por baixo, sob os pés das deusas despidas diante de Páris. Que julgamento será o de cada um deles, na intimidade breve e periclitante com Hera, Atena e Afrodite?
Que julgamento seria o deles, se um deus do relâmpago os intimasse? Que Troia estariam dispostos a defender?