Nunca foi certamente fácil para os filhos de músicos o trilhar de um caminho num espaço comum. Se bem que não faltem (bons) exemplos, o peso da assinatura por vezes é tal que, antes mesmo de escutarmos as primeiras notas, já temos aberta a caderneta de referências dos pais para que eventuais (quase inevitáveis) comparações possam emergir. E convenhamos que a rota das comparações pode não ser a mais indicada para encontrar alguém que sabe que tem de vencer essa sombra gigante para eventualmente poder brilhar. Foi bom dar espaço a Jeff para que não nos focássemos em eventuais heranças do pai Tim (Buckley). Já os irmãos Lennon não conseguiram nunca vencer o peso do nome do pai John sempre que um novo disco entrava em cena… Vale a pena agora darmos a Lexi o que concedemos a Jeff. Lexi Jones… E não é preciso fazer um grande esforço para detetar a genealogia (que depois vamos contornar). Jones, tal como em Duncan (o irmão, realizador do magnífico “Moon”). Jones como o pai David, que o mundo conheceu como Bowie (que chegou a partilhar vídeos caseiros, à mesa da cozinha, a tocar num teclado com a filha).

Capa de “Xandri” (2025), disco de Lexi Jones (DR)
Lexi (de seu nome real Alexandria Zahra Jones) fez por si mesma o caminho. As canções são suas. Ela mesma definiu as rotas da produção que as moldou. E é também sua a imagem que vemos na capa de “Xandri”, um álbum de estreia que deve ter conhecido uma das mais discretas campanhas de lançamento dos últimos tempos. E de facto, depois de breves teasers, o disco chegou às plataformas de streaming este mês sem sururu maior. De resto, e até ver, o que nos vai valer serão amigos atentos que o possam ir encontrando e partilhando e aos “velhos” gatekeepers (imprensa, bloggers, etc) perante um lançamento que está a apresentar música nova fora das esferas hoje mais frequentes dos grandes espaços de talk shows e afins onde desfilam os lançamentos com comunicação mais vitaminada. Entende-se o tom discreto do lançamento de “Xandri” pela forma fácil como a comunicação mainstream iria olhar mais para a memória do pai do que para as belas e frágeis canções que aqui escutamos. E, convenhamos, Lexi acaba assim por dar passos seguros (e seus) rumo à afirmação de uma personalidade que em breve a pode juntar a um firmamento onde estão uma Mitski, uma Vera Sola, uma Couteney Bartnett, uma Sharon Van Etten, e não a classe mais habituaL dos “filhos de”…
“Xandri” (palavra grega que traduz uma ideia de “defensor da humanidade”) é na verdade uma das mais belas estreias em disco dos últimos tempos. E de facto vive por si independentemente do que um passaporte ou um teste de ADN possa indicar. Esta é uma música carregada de personalidade (firme desde logo no poder da reflexão e da expressão de ideias nas palavras cantadas onde se fala identidade e lutas pessoais) e que nas formas caminha entre terrenos indie e de uma pop de alma mais desafiante (face aos algoritmos do momento), cruzando eletrónicas em planos cenográficos com arranjos elaborados que servem uma voz de timbre grave e tons melancólicos que nos seduz e conduz. Canções como “Along The Road”, “Cracks Of Me” ou o belíssimo “The Edge” são apenas possíveis portas de entrada para um disco que justifica que o mapa musical de 2025 conte em lugar de destaque com uma Jones.