Figura maior do panorama indie do século XXI, Sufjan Stevens tinha 30 anos quando, em 2005, apresentou um álbum que o colocou na linha da frente das atenções. Dois anos depois de “Michigan” (2003), com um interregno temático em “Seven Swans” (2004), Sufjan Stevens chegava a 2005 com um álbum que, sob o título “Illinois”, se anunciava como a segunda parte de um projeto – algo megalómano, mas assim se faz a grande arte – destinado a retratar cada estado dos EUA através de um disco… Depois de “Michigan”, “Illinois” seria o segundo (e, afinal, o último, sendo discutível se a banda sonora de “BQE” representou ou não o destino de ideias eventualmente destinadas ao álbum sobre Nova Iorque).
Com o tempo o próprio Sufjan Stevens admitiria que aquela ideia não fora mais do que um dispositivo de comunicação. Mas que, convenhamos, funcionou. E que, perante um músico já com uma obra gravada mas longe ainda de ser a figura de proa no panorama musical global que hoje representa, a ideia dos Estados Unidos cantados foi gimmick que cativou atenções. Coube contudo à música falar depois mais alto. E só o facto de ter em “Illinois” um dos melhores álbuns da primeira década do século e, até aqui, a sua obra-prima (se bem que “The Age of Adz”, “Carrie and Lowell” e “Javelin” sejam igualmente peças de cinco estrelas), fez com que a boa manobra de comunicação resultasse num definitivo catapultar de Sufjan Stevens para um plano de visibilidade maior. E assim, com Illinois, o músico chegou ao mundo.

Capa original de “Illinois” (2005), disco de Sufjan Stevens: DR
Apesar de hoje sabermos que não haverá, afinal, um disco para cada um dos estados dos EUA, a verdade é que, e mais profundamente ainda do que o revelado em “Michigan”, “Illinois” propõe um retrato único não apenas sobre uma geografia, mas sobre ecos da história daqueles lugares, evocados através de histórias das suas gentes. O esforço concetual de criar visões de um lugar partiu de uma intensa etapa de leitura sobre a história do estado e de algumas figuras e casos que ajudam a contar o seu era uma vez.. E é assim que surge um conjunto vasto de memórias e retratos que, nos antípodas da ideia do guia turístico ou do postalinho ilustrado, tanto recuperam imagens e figuras de referência maior como lembram pequenos casos que animam o que é, assim, fruto de uma expressão mais pessoal deste universo de gentes e espaços.
Pelo disco desfilam as figuras de Abraham Lincoln, Frank Lloyd Wright, o fantasma de Carl Sandburg (que o visita num sonho), do assassino John Wayne Gacy ou de Mary Todd, que enlouqueceu. Há ainda histórias de avistamento de óvnis, dos trabalhadores do Rock River Valley, de zombies. E há olhares panorâmicos sobre cidades, passando por “Chicago” (a maior cidade do estado), numa das mais exuberantes explorações de orquestração até então na música de Sufjan Stevens, ou por “Jacksonville”. Musicalmente Illinois corresponde ao momento na obra do músico em que os horizontes de novos desafios abrem terreno a incursões de ousadia e fôlego. E ao cantautor de alma folksy (sob evidente fascínio por heranças da country) junta-se uma vivência talhada durante uma formação clássica, incorporando a música todo um quadro de novos elementos, do trabalho com orquestra a flirts com os universos do jazz e da música contemporânea. Aqui em concreto deixa evidente uma admiração maior pelo universo dos minimalistas, traduzindo o tema “Out of Egypt, into the Great Laugh of Mankind, and I Shake the Dirt from my Sandals as I Run” (sim, o álbum está cheio destes títulos enormes), uma incursão pelos domínios estilísticos herdados de um Steve Reich, através de uma aproximação a terrenos que o compositor explorou em “Music For 18 Musicians”.
Todo o aparato orquestral não ofusca nem a voz, a sua ocasional relação mais íntima com o banjo e as palavras que sustentam todos estes contos cantados sobre lugares e pessoas.
A capa tem também uma história. Criada por Diyvia Srinivasan, incorpora alguma iconografia do estado em questão – A torre da Sears, a mulher de Abraham Lincoln, a figura de Al Capone – mas deu que falar pela figura do Superhomem inicialmente usada sobre o skyline que serve de fundo à imagem. A editora, ao reparar nas questões de direitos que esta utilização da figura poderia levantar travou a reprodução dos discos e criou uma segunda capa com balões no lugar do super herói. Naturalmente as capas originais viram peça de colecionador! Dez anos depois da edição original Sufjan Stevens apresentou uma edição limitada em vinil duplo usando a figura do Blue Marvel, outro super herói. Este devidamente autorizado, claro!