Os anos 90 abriram uma nova era para a RDP. Manuel Cardoso de Menezes assumiu a presidência em 1989 e, logo no início da década, 402 novas frequências legais colocaram o mercado radiofónico em ebulição. A rádio pública enfrentava fragmentação de audiências, quebra de receitas publicitárias e ausência de perfil de imagem junto do público. A missão cultural exigia credibilidade, mais do que audiências.
1990 marcou uma viragem estratégica. A alienação da Rádio Comercial (programas 3 e 4) redefiniu a RDP como operador de serviço público puro. A liderança junto dos 12-24 anos passou para privados e a missão cultural da rádio pública ganhou preponderância.
Em 1991, a tecnologia deu um salto. O telefone satélite trouxe autonomia total às emissões externas, essencial para cobrir a visita do Papa e o Mundial de Sub-20, onde a geração de ouro se sagrou campeã. Entraram o CD e o DAT, o sistema RADAR chegou às redações e a lógica empresarial começou a impor-se, exigindo responsabilização das direções de canal.
Em 1992 era inaugurado o Museu da Rádio na Rua do Quelhas, 21. Pela mão, empenho e espírito colecionador do jornalista Manuel Bravo, o museu tinha por missão dar testemunho do “século” de evolução da rádio em Portugal, com uma das mais significativas coleções na Europa, com milhares de recetores, equipamentos de registo sonoro, de emissão, suportes de gravação e microfones. O museu mudaria para o edifício da RTP em Lisboa, já em 2007, depois da junção das empresas públicas de rádio e televisão.
O início da década trouxe debate interno. Rádio de notícias ou rádio jovem? Jaime Fernandes impôs a visão de um canal alternativo e nasceu a Antena 3. Focada em cultura jovem portuguesa e novas bandas, o canal apostava em 40% de música nacional, bem acima da obrigatoriedade legal. Apoiou dezenas de grupos, trouxe formatos inspirados de outros mercados, misturando os sucessos do momento, com novos artistas e tendências focando na programação de autor e nichos à noite e fim de semana. Tornou-se berço de artistas nacionais.
Começou a cobrir Lisboa, Porto e Braga em abril e no verão chegava ao país inteiro. Atingiu 60% da audiência da RDP e consolidou-se como a primeira estação nacional a fazer transmissões de festivais como Vilar de Mouros, Sudoeste e Paredes de Coura. Transmitiu concertos históricos de Oasis, Tina Turner, Pearl Jam, The Cure, Metallica, Smashing Pumpkins, entre outros e o mítico concerto dos U2 em Sarajevo.
Os concertos acústicos com as bandas portuguesas levaram em 1995 ao relançamento dos Xutos e Pontapés com a gravação que deu origem a disco e a uma carreira que a partir daí foi histórica. Foi com a estação pública que nomes como Da Weasel, Blind Zero, Clã, Silence 4, Ornatos Violeta, entre muitos outros foram lançados. Pouco conhecidos à época Nelly Furtado e Ben Harper tocaram ao vivo no auditório das Amoreiras e Portugal escutou.
Em setembro de 99, durante uma semana, o canal de música tem a emissão dedicada à crise em Timor com participação massiva do público. Via telefone, as linhas entupiram. Via Internet e antena, durante os dias da violência no território, o canal alterou o formato por uma causa urgente.
Em meados da década, quando a empresa passa a ser presidida por José Manuel Nunes, que na década anterior tinha sido responsável pela renovação da Antena 1, começou aí também um período de revolução técnica da empresa. A rede de emissores foi substituída num investimento superior a 2 milhões de contos (10 milhões de euros atuais). Gravadores, gira-discos e máquinas de escrever desapareceram. O computador tornou-se central e a informação começou a migrar para o online. Os veículos digitais e estúdios móveis mudaram a forma de produzir rádio.
Uma emissão polémica aconteceu a 30 de Outubro de 99, quando o Programa da Manhã da Antena 3 assinalou os 60 anos da transmissão rádio (CBS) da famosa “Guerra dos Mundos” de HG Wells e Orson Wells. Foi teatralizada uma versão em português, levando a uma reação por parte do público. Ao contrário de versões anteriores (Renascença e Comercial) numa época em que o número de meios era escasso, em 1999 já existia televisão por cabo, canais de notícias, centenas de rádios e até internet. Ainda assim… o pânico aconteceu.
Aconteceu a instalação de emissores FM em Cabo Verde, seguida pela Guiné-Bissau. Em 1995 surgiu o Canal África e, em 1996, nasceu a RDP África com 17 horas diárias sob direção de David Borges. O objetivo era falar não apenas para emigrantes, mas para todos os lusófonos. Um dos muitos convidados entrevistados no dia de estreia do canal foi o escritor brasileiro Jorge Amado.
A RDP também esteve na linha da frente da informação. Em plena guerra dos Balcãs, a Antena 1 lançou um memorável programa diário chamado “Bom Dia Bósnia” para manter contacto com militares portugueses no terreno. Em 1995, produziu um concerto com músicos nacionais “Juntos na Distância” diretamente da Bósnia, em Rogatica, levando ânimo às tropas portuguesas aí baseadas.
1996 reforçou a informação. A Antena 1 lançou um programa da manhã (7h-10h) centrado em notícias, debates e comentários. A música portuguesa ganhou mais espaço e nasceu o slogan “A rádio portuguesa”. No mesmo ano, iniciou-se a digitalização de arquivos sonoros, recuperando registos da Emissora Nacional anteriores a 1940. A propósito, ao longo de grande parte da década, entre 1991 e 1997 a Antena 1 apresentou “A Minha Amiga Rádio” programa de Luís Garlito com destaque para figuras do meio radiofónico e artístico.
1997 trouxe descentralização. A RDP Internacional passou a emitir a partir de centros regionais e a Antena 1 uniformizou 3 horas diárias de programação regional (4 em 1998). A proximidade territorial tornou-se prioridade.
A segunda metade da década apostou em estabilidade. Modernização tecnológica, reforço financeiro e adaptação ao novo mercado. Em 1998, o resultado ultrapassou 900 mil contos (4,5 milhões de euros atuais) e a empresa perdeu subsídios e indemnizações, tornando-se financeiramente autónoma.
Em 1998, a RDP lançou o seu primeiro site com quatro streams e áudio on demand. Começaram também as emissões experimentais de DAB em parceria com a Grundig. A estreia pública deu-se na Expo 98, mas a falta de regulamentação travou a expansão e o DAB acabou esquecido em Portugal. A propósito, foi um ano com transmissões de muitos eventos e espetáculos durante a Exposição Mundial de 1998
Em 1999 a rádio pública transmitiu a transferência da soberania de Macau para a República Popular da China.
1999 encerrou a década com autonomia. Foi assinado com o Estado um novo contrato de Serviço Público que confirmava a taxa de radiodifusão como única fonte de receitas, com validade de 15 anos. A RDP entrava no novo milénio com finanças e orgânica estabilizadas, pronta para a era digital.