No segundo dia de Caixa Alfama, um consenso entre os artistas que pisam os seus palcos. O público de Lisboa é soberano: pode pisar-se palcos internacionais, cantar na Suíça, Finlândia ou França, mas cantar em casa é sempre uma mistura de nervosismo e excitação. Sérgio Onze, Ricardo Ribeiro, Marco Rodrigues ou Marina Mota, todos concordam que o frio na barriga de cantar em Alfama é mais intenso mesmo quando as casas de fado são pouso diário.
O festival já tem datas marcadas para 2025: a 26 e 27 de setembro, regressamos a Alfama. José Gonçalez e o Dr. Paulo Macedo, presidente da Caixa Geral de Depósitos deram a notícia à Antena 1 em primeira mão e descrevem com satisfação a evolução do Festival. “Temos uma envolvência cada vez maior do bairro. Cada vez mais, fomos entrando no bairro e o bairro no Festival”. Quanto a homenagens, ainda nada está confirmado, mas Tony de Matos é uma das hipóteses para 2025.
Voltar a pisar palcos onde já se foi feliz
Antes de vir ao estúdio, João Gonçalez pisou o palco Caixa com uma edição especial de “Em Casa d’Amália”, com convidados muito especiais: Carminho e António Zambujo, dois grandes nomes da música portuguesa que já ecoam lá fora e que rebentaram as costuras da lotação logo no primeiro slot de festival — até o Presidente da República veio ouvir cantar o fado.
Sete anos depois de pisar o palco, Marina Mota fez o seu grande comeback no Caixa Alfama. “Fadista mesmo calada”, vestiu a pele de fadista, curvou-se a seu público e trouxe um dos momentos mais esperados ao Festival de fados de Alfama. A indumentária de princesa marcou o momento solene num concerto cheio de momentos especiais. O público cantou de cor os temas clássicos e fez vénia à atriz que ensaiou muito e confessou junto da Antena 1 que a Marina que se viu em palco era uma Marina ansiosa: “sou uma fadista que tem estado inativa. A última vez que fiz um espetáculo foi precisamente neste palco em 2017”. Promete-nos (e a si própria) que não voltará a passar tanto tempo até a ouvirmos neste registo outra vez.
O homenageado desta edição foi Fernando Maurício, mas o espetáculo de Marco Rodrigues em homenagem a Carlos do Carmo foi um dos grandes momentos do Festival. No exterior do palco do terraço do Terminal de Cruzeiros de Lisboa, uma fila interminável e nem todos conseguiram entrar. O pôr-do-sol à beira-tejo foi o cenário perfeito para se ouvir “Canoas do Tejo” na voz inconfundível de Marco Rodrigues, numa formação de trio de fados com trompete e piano, mas sem o quarteto de cordas habitual deste concerto. Em conversa com Edgar Canelas, relembra com saudades as várias tarde passadas com o mentor. “O percurso que tenho enquanto profissional permitiu-me estar com o Carlos do Carmo várias tardes em estúdio, em palco, nos Coliseus, sei perfeitamente todos os cuidados que o Carlos tinha. Houve uma segurança natural”.
O concerto de Ricardo Ribeiro foi talvez o mais esperado da noite. Antes de pisar o palco, deixou a devida homenagem a Armando Carvalhêda, figura incontornável da Antena 1 que acreditou no seu fado ao levá-lo muito jovem ao “Viva a Música”, ainda sem disco editado. Depois, relembrou de novo Fernando Maurício, o grande homenageado desta edição. Aprendeu dele a ” ética e de verticalidade”, a maneira de se comportar e uma filosofia de vida, talvez mais virada para a sombra. Quanto aos seus novos fados, nomeadamente aqueles que canta em “Terra Que Vale o Céu”, fala-nos de uma propensão maior para o Mediterrâneo que para o Atlântico. “Uma das coisas me entristece é que dizem que é flamenco, ou porque é árabe, ou aqueloutro… Mas ser português é isso tudo”.
Descreve pisar o palco do Caixa Alfama um desafio bom: “grande parte do público que está ouvindo conhece, e sabe o que está a ouvir. Há uma recetividade, estamos sujeitos a um juízo. Um tipo quando está em cima do palco está a ser julgado, e aqui há muita gente que sabe os fados que se cantam”. Mas os nervos seguem-lhe por onde vai e, por isso, a solução é mesmo enfrentá-los, e trazer ao público concertos que se superam uma e outra vez. No de hoje, trouxe clássicos do fado de Alfama que se ouviram ao longo de vários concertos nos últimos dois dias — “Fado Cravo”, “Moreninha da Travessa” ou “Fado Tertúlia”—, mas também momentos únicos. No “Fadinho Alentejano”, um coro cantado de cor, e um belíssimo momento de guitarrada (músicos!!!) encheu todos os cantos do Terminal de Cruzeiros de Lisboa.
Reportagem de Kenia Nunes