Amélia Muge e Filipe Raposo
Este concerto é o ponto de partida, para, tendo como referência o nosso amor à poesia, partilharmos uma viagem pelo fio dos versos convocando, através das palavras e da música, poetas, histórias, formas de ver, sentir, ouvir, tocar e cantar o mundo. Não é uma vacina, mas faz bem à saúde.
Ondula como um canto o poema. Cria mapas, pinturas sonoras, ecoa em nós no fundo de uma palavra, de uma pausa, de um silêncio, de um grito mudo que fica ali, à espera de nós, para nos sair pela boca fora, como quem respira.
São as palavras dos poetas, que quando nos tocam se libertam, qual pássaro preso numa gaiola de sons, circunscrito ao espaço fechado da página, no momento em que um olhar, uma garganta, uma mão no piano, abre a gaiola e as sentimos na boca, no "palavrar", no "hálito da terra".
Amélia Muge e Filipe Raposo vão trazer alguns dos poetas que gostam de ouvir e ver. Sentem-se com eles. À escuta.
É uma mesa cheia de apetites. Sirvam-se e repitam do que quiserem. É uma mesa farta onde todos têm lugar.
"Ela canta. Ela canta. É uma voz da terra, é uma voz das veias
Seria talvez um músculo sombrio, um ombro preso a um muro
Agora canta lentamente e é um monte sublevando-se
Uma coluna ondula e o seu volume cresce com o hálito da terra
É uma voz que canta com as secretas fontes do corpo
Com as pálpebras, com as pupilas, com os braços côncavos
E é como se reunisse em voluptuosas braçadas
as grandes flores do vento, as lentas anémonas do mar
Essa voz tem a nudez sombria de um afectuoso felino
e nasceu talvez da respiração quando dilatou o ventre
para libertar os tumultuosos arcos
que ela modela ao ritmo das sombras
e das lâmpadas vegetais entre os seus flancos azuis"
António Ramos Rosa, sobre o canto de Amélia Muge