Belo Manto é o nome do projecto que junta a guitarra de José Peixoto, perfumada de Mediterrâneo, à voz límpida e versátil de Sofia Vitória.
Ana Sofia Carvalheda conversou com Sofia Vitória e José Peixoto. O ponto de partida é o seu novo projecto musical de nome Belo Manto.
José Peixoto e Sofia Vitória – acompanhados por Luís Peixoto (bandolim, bouzouki e sanfona), Carlos Barretto (contrabaixo) e Quiné Teles (percussão) – inspiram-se na obra de poetas como Al-Mu’tamid (séc. XI), Ibn Abdun (séc. XI), Martin Codax (séc. XIII), Fernando Esquio (séc. XIII-XIV) ou Dom Dinis (séc. XIII-XIV), entre outros, para a composição da música deste “Belo Manto”.
O Festival Internacional de Música de Marvão, em Julho de 2017, foi o primeiro palco do “BELO MANTO”, cujo álbum será editado a 17 de Novembro. O passado não é algo que tomba do céu, vindo de nenhures. Está impregnado em cada rua por que passamos, na parede de cada casa que visitamos, em cada palavra que dizemos e em cada gesto que desenhamos.
Mas há na vertigem dos nossos dias a ideia de que o passado tem uma sombra curta, que logo se extingue, e que é pouco relevante quando tudo o que parece importar é o agora e o momento imediatamente seguinte. Essa vertigem acelerada pela presença maciça da tecnologia na vida contemporânea e pela esmagadora obsessão pela novidade faz com que muitas vezes se perca de vista de onde vimos e não nos voltemos para trás vezes suficientes para salvaguardar a nossa identidade. Esse movimento de olhar para trás e de noção e procura de identidade tem sido uma constante no percurso de José Peixoto e reforça-se neste “Belo Manto”.
Essa recorrência de universos não significa, no entanto, qualquer assomo de redundância.
Pelo contrário, apenas vinca a justeza da procura e de um aprofundamento identitário por José Peixoto que em “Belo Manto” beneficia de um longo percurso a dar-lhe sustento e consistência. A ele, junta-se a voz de Sofia Vitória, tão elástica e tão confortável no reportório jazzístico quanto no mais tradicional. Este balanço, feito de uma tradição que suga as heranças mouriscas e judias da Península Ibérica e as devolve segundo uma linguagem do jazz com uma universalidade que quer também ter um eco local, é depois sublinhado pela criteriosa escolha de músicos que se juntam a José Peixoto e Sofia Vitória: o multi-instrumentista Luís Peixoto, o contrabaixista Carlos Barretto e o percussionista Quiné Teles. Belo Manto – que se estreou em Julho no Festival Internacional de Marvão e cujo primeiro álbum é lançado em Outubro – ouve-se como um exemplo de espantosa riqueza musical, mas também de defesa pelas origens mestiças das culturas e das músicas. Uma recusa de purismos que celebra, com infindável beleza, uma natureza mestiça, um rio cujas águas chegam de vários afluentes e correm numa única direcção.
JOSÉ PEIXOTO
Músico, compositor, arranjador e produtor estudou Guitarra Clássica na Academia de Amadores de Música de Lisboa, e frequentou o Conservatório Nacional e a Escola Superior de Belas Artes (Arquitectura) na mesma cidade. Tem desenvolvido intensa actividade quer em projectos de outros autores e grupos (José Mário Branco, Maria João, Madredeus, Janita Salomé, Carlos Zíngaro, João Monge, Maria Berasarte, etc) quer nos seus próprios projectos, que contam com 20 cd’s gravados em nome próprio. Com seu grupo El Fad gravou o álbum “Lunar”, editado em 2010, que foi galardoado com o Prémio Carlos Paredes. Em 2014, com o novo grupo LST – Lisboa String Trio (com Bernardo Couto e Carlos Barretto) grava “Matéria”, com o qual ganha o Prémio Carlos Paredes em 2015. Em 2016, ainda com o LST, edita “Lisboa”. Em 2017, em parceria com a cantora Sofia Vitória, edita o cd Belo Manto, com música original para poesia luso-árabe e poesia medieval portuguesa.
SOFIA VITÓRIA
É cantora, compositora e autora. Estudou piano no Conservatório Regional de Setúbal, Voz Jazz na Escola Superior de Música de Lisboa e é licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Ao longo do seu percurso musical colaborou em diversos projectos e apresentou-se nas principais salas de espectáculo de Portugal e também em vários outros países, como Brasil, Espanha, Holanda, Itália, Macau, País de Gales, e Turquia. Partilhou o palco com Ivan Lins, Júlio Pereira, Luís Figueiredo, Joel Silva, Luís Barrigas, José Peixoto, Alexandre Frazão, Carlos Barretto, João Moreira, João Paulo Esteves da Silva, Júlio Resende, Mário Franco, Ricardo Toscano, Yuri Daniel, entre muitos outros. Em 2012 edita o seu primeiro álbum: “Palavra de Mulher” [em parceria com o pianista Luís Figueiredo], inspirado no universo feminino de Chico Buarque. Em 2013 edita o livro “Dos dias – Um breve conto”. E, em 2016, lança o álbum “Echoes – Fernando Pessoa, English Poetry & Prose” – uma co-produção com a Casa Fernando Pessoa e o primeiro álbum inteiramente dedicado à poesia e prosa escritas originalmente em inglês por Fernando Pessoa – com composições de Amélia Muge, António Zambujo, Daniel Bernardes, Edu Mundo, Joana Espadinha, João Hasselberg, João Paulo Esteves da Silva, José Mário Branco, José Peixoto, Luís Figueiredo, Mário Laginha, Paula Sousa e Sofia Vitória.