Ao vivo só para o ano, por agora A Naifa revisita 9 canções
de todos os tempos, com edição já disponível em cd.
Oiça a conversa de Ana Sofia Carvalheda com Luis Varatojo e Sandra
Baptista.
*****
Após o sucesso alcançado pelo quarto
trabalho de originais, "não se deitam comigo corações obedientes"
– distinguido pela Sociedade Portuguesa de Autores com o Prémio Autores para Melhor
Disco de 2012 – A NAIFA está de
regresso aos álbuns, no final de 2013.
"As
Canções d’A Naifa", que tem edição marcada para o próximo dia 4 de
Novembro, surge como o encerrar de um ciclo. Como tal, é um disco diferente dos
quatro anteriores, estas canções são originais de outros artistas que A NAIFA sentiu como suas e que foi tocando ao vivo durante
os seus quase 10 anos de existência.
Nele podem ouvir-se Sentidos Pêsames (GNR), Subida aos Céus (Três Tristes Tigres), Bolero do Coronel Sensível que fez Amor em
Monsanto (Vitorino), Alfama
(Mler If Dada), A Tourada (Fernando
Tordo), Libertação (Amália
Rodrigues), Imenso (Paulo Bragança),
Desfolhada Portuguesa (Simone de
Oliveira), Inquietação (José Mário
Branco).
Nove canções que fazem parte da
história d’A NAIFA, nove canções que
ganharam nova vida durante as várias tours
que a banda realizou na década passada e que agora chegam em registo
fonográfico.
No início de 2014, A NAIFA estará de regresso aos espectáculos em Portugal para uma tour que assinalará o 10º aniversário da
banda e que irá levar "As Canções d’A
Naifa" aos principais teatros do país.
"AS CANÇÕES D’A NAIFA
Outubro.
É de noite e a criatura arrasta-se entre o breu e os ocasionais holofotes que querem matá-la. A criatura, alta por natureza e firme por formação, arrasta-se.
Cabisbaixa e apodrecida.
Enfia-se num beco evidente. Um beco que em dois ou três passos tratará de lembrá-la do seu fim. Pouco lhe importa.
Na realidade, não pensa. Nem no que faz nem no buraco onde se meteu.
Não chega a dar dois passos. Ao caminho saltam-lhe quatro criaturas, estas humanas, vultos negros estranhamente alumiados por um candeeiro na parede.
Cada um tem uma naifa. Quatro naifas apontadas à miserável e morredoura criatura.
Acorre à criatura a ideia de salvar a vida que lhe resta:
– O que querem de mim? Nada tenho para dar. Levaram-me tudo.
A morena vivida, a quem os olhos brilham, fala-lhe pelos quatro com a sua voz sobrenatural:
– Ninguém te quer tirar nada. Pelo contrário. Viemos devolver-te a poesia e as canções que perdeste. Vais engoli-las, queiras tu ou não queiras. Gostes ou não gostes do que lhes fizemos. Talvez te abandone essa dormência fétida. Trazemos-te os poetas que não deixaram morrer a coragem. Trazemos-te até os que lidaram a censura com olés. Devias ouvir mais sobreviventes. Trazemos-te canções que não são nossas, destes reis magros que te fazem oferendas de chino na mão. São tuas, mas esqueceste-te delas. Temos a esperança de que, quando voltares a ouvir o Ary, o Lobo Antunes e o Mourão Ferreira, te libertes dessa condição, desse fado do subalterno. Talvez nada disto te salve desse fado, esse lugar onde te cristalizaste nos sonhos dos turistas, mas inquietação trar-te-á de certeza. Inquietação é a última das canções que aqui encontras.
A criatura estremece no desconforto que há muito não conhecia:
– Não sei se podem fazer-me isto. Vocês sabem quem eu sou?
A morena aponta-lhe a naifa e, antes de ajustar uns auscultadores no que à criatura resta da cabeça, atira-lhe com amor:
– Toda a gente sabe quem tu és, Portugal. Tu é que te esqueceste."
Pedro Gonçalves