João Lopes, crítico de cinema e autor do programa Cinema & Etc.: Não se pode esperar que um jovem cujo olhar foi formado através da agitação visual dos videojogos se sinta tocado pela vibração emocional que perpassa por um grande plano de Liv Ullmann ou Bibi Andersson no Persona (1966), de Ingmar Bergman. Aliás, se esse jovem tiver sido engolido pelas modas do hiper-presente em que vivemos, dirá, com triste candura, que não conhece porque isso aconteceu antes de ele ter nascido…
Há uma maneira menos agreste, quer dizer, mais política de dizer isto. A saber: persiste um défice de educação do cinema — e para o cinema — que condiciona todo o presente dos filmes. Passamos horas (fascinantes, a meu ver) a discutir os prós e contras de uma defesa com três centrais, ou a ocupação do último terço do terreno, mas se alguém se atrever a especular sobre as implicações filosóficas dos grandes planos de Hitchcock corre o risco de ser insultado como um perigoso “intelectual” (em alguns discursos, tal classificação é mesmo uma forma de insulto).
Dito isto, muitos agentes do mercado demonstram uma patética falta de imaginação. Ideias para superar a situação? Apenas uma, singela: agora que Lawrence da Arábia está a fazer 60 anos (a estreia ocorreu a 10 de dezembro de 1962), porque não repor o filme nas 1500 salas IMAX que há em todo o mundo? Seria um maravilhoso programa educativo. E comercial, digo eu.
João Torgal, jornalista da Antena 1 e co-autor do programa da Antena 3 Os Cinéfilos que Ninguém Pediu: Com a entrada em cena das plataformas cinematográficas e as consequências da pandemia, vivemos um presente difícil e adivinha-se um futuro incerto. De que forma a quebra de espectadores, motivada pelos confinamentos e não só, pode ter desabituado o público a frequentar os cinemas? As plataformas alargam a produção cinematográfica, mas não é lamentável que filmes de realizadores consagrados, como Fincher e Scorsese, não cheguem a ser projetados em sala? Com a proliferação das plataformas e os efeitos da inflação, não é possível que as verbas pessoais / familiares gastas em sala sejam canalizadas para o cinema caseiro? A multiplicação de séries enquadra-se no cinema ou é uma praga para quem gosta de cinema? Não será uma falha tremenda no acesso à cultura termos uma distribuição tão irregular em termos geográficos? E, perante isso, as plataformas não contribuem para tornar o cinema mais democrático?
Entre as questões em aberto, deixo um princípio e uma convicção. Princípio: aconteça o que acontecer, a sala escura continua a ser o melhor sítio para ver cinema. Convicção: 127 anos depois da Primeira Sessão dos Lumière, a morte do cinema não está no horizonte. Bom dia do cinema. Hoje… e nos restantes dias do ano.
Lara Marques Pereira, crítica de cinema e co-autora do programa da Antena 1 Cinemax: Ao longo de mais de um século, os desafios têm feito parte da história do cinema, através dos avanços tecnológicos ou da chegada de novos valores e novas perspetivas.
Mais do que questionar o futuro de uma arte, vale a pena sublinhar a ideia de transformação, enquanto etapa para o que virá. Nesse futuro, que de certa forma já estamos a viver, há menos público nas salas, espaços que não resistem, plataformas que concorrem com o grande écran.
Mas há também mais conteúdos acessíveis a um público mais vasto, festivais diversos espalhados pelos país e muitas vezes esgotados, ciclos com curadoria, sessões conversadas ou eventos locais que desafiam a inércia e criam fiéis seguidores. O futuro sobre o qual já nos interrogamos, passa pela transformação, de todos – cineastas, produtores, distribuidores, exibidores, divulgadores e público.
Creio que no final, o Cinema saíra como sempre, preparado para novas etapas.
Rui Alves de Sousa, autor do programa da Antena 1 De Olhos Bem Fechados: A morte do cinema já foi decretada várias vezes, mas hoje o “perigo” é maior do que nunca: tanto as salas parecem irrelevantes para o espetador comum como a pandemia também não ajudou. Apesar de se registarem alguns êxitos no pós-desconfinamento (com Top Gun: Maverick à cabeça), mais salas ficam vazias e menos filmes têm as mesmas hipóteses. Uma situação descendente notória até nos países em que a ida ao cinema era mais frequente – França teve em 2022 os piores resultados de bilheteira desde 1980.
No entanto, não podemos culpar totalmente o vírus: a mudança de estratégia das distribuidoras, com filmes a estrearem em simultâneo nas salas e em casa, ou até a dispensarem o grande ecrã, aumentaram a olhos vistos. Outros filmes continuam a estrear-se em Portugal meses (ou anos) depois do suposto.
O grande desafio do cinema passa por recuperar espaço no imaginário dos espetadores, e conseguir convencê-los a ir a mais do que àqueles dois ou três gigantescos blockbusters. E numa era em que muitas pessoas têm televisões com dimensões consideráveis em casa, as salas não podem continuar a apostar na pequenez dos seus ecrãs, e na estreia atrasada de filmes que já há muito tempo circulam em plataformas legais. No fundo, o cinema tem de voltar a ter sentido de oportunidade e da importância da exclusividade.
Tiago Alves, crítico de cinema e co-autor do programa da Antena 1 Cinemax: As salas de cinema recuperam lentamente das restrições sociais e sanitárias impostas durante dois anos de pandemia. De um modo geral, entre 2021 e 2022, o número de espectadores cresceu, progressivamente, para 60% da frequência registada em 2019. Neste período surgiram diversas plataformas domésticas que diversificaram a oferta e registaram um crescimento histórico de clientes. Apesar disso, os sinais de cansaço ou desinteresse dos espectadores são evidentes e as quebras de subscritores indicam que os ecrãs domésticos se tornaram pequenos para grandes filmes.
No atual momento o cinema beneficiará de um entendimento maior entre estúdios, exibidores de cinema e plataformas, no sentido de gerir melhor a janela de exibição (45 dias de intervalo entre estreia em sala e distribuição online parece ser um intervalo consensual) ou promover estreias simultâneas (os resultados de Duna e Matrix Ressurections demonstram essa vantagem). Parece evidente que as plataformas precisam de beneficiar da visibilidade da estreia dos seus bons filmes numa sala grande e o circuito de distribuição tradicional necessita de diversificar, urgentemente, a oferta do seu cartaz. Em tempos de crise há um outro aspeto determinante para motivar os espectadores: baixar o preço do bilhete e analisar o impacto das sessões a €3 ou $3 no dia nacional do cinema nos EUA e na Festa do Cinema em Portugal, agora em novembro, por exemplo.