Dois investigadores da universidade de Pittsburgh colocaram mais de 1600 pessoas diante de dez poemas. Cinco desses poemas haviam sido gerados por Inteligência Artificial, tomando como modelo o estilo de poetas como T.S.Elliot ou Lord Byron. Os leitores não conseguiram distinguir, entre os dez poemas, quais eram genuinamente de Shakespeare ou do Nobel de Literatura influenciado por Pound e quais tinham sido gerados por sistema informático. Mas tendiam a preferir, por serem “mais directos e acessíveis”, aqueles que tinham sido produzidos pela artificiosa máquina lírica. Máquina lírica não vos soa a Herberto? Soa-vos bem. Que diz mais a notícia? Diz que a alegada maior compreensão dos poemas gerados por Inteligência Artificial conduziu a maioria dos participantes à convicção de que esses, os “mais fáceis de compreender”, eram os poemas de “autoria humana”. Dito de outro modo: a malta prefere poemas da IA. IA, meu.
Se o mercado se render ao filão da poesia produzida artificialmente podemos imaginar amantes do antigo e humano modelo criativo procurando velhas livrarias como se procurassem abrigos nucleares. Uso a palavra “nuclear” querendo significar “central”, “essencial”. Querendo significar a sua importância desmesurada.
Manoel de Barros, meu poeta tão amado deixou firmados estes versos sobre importâncias quando nem se falava de Inteligência Artificial: “O cu de uma formiga é mais importante para o poeta do que uma usina nuclear”.
Assim pudesse surgir, entretanto, um Álvaro de Campos que nos grite com novas palavras, com novas humanas palavras: “Estou cansado da inteligência. Pensar faz mal às emoções”. Um futuro criador de geniais heterónimos ousará lançar ao Chat GPT o verso mote desabrido “Estou cansado da inteligência artificial”?
Lá está Herberto no Poemacto: “As vacas dormem, as estrelas são truculentas/ a inteligência é cruel/ Eu abro para o lado dos campos. / Vejo como estou minado por esse / puro movimento de inteligência. Porque olho / rodo nos gonzos como para a felicidade/ Mais levantadas são as arbitrárias ervas/ do que as estrelas/ Tudo dorme nas vacas/ Oh violenta inteligência onde as coisas/ levitam preciosamente”.
É possível? Será possível que a IA detenha esse poder que o poeta alcança e de que fala Ruy Belo num poema. “Na minha juventude antes de ter saído/ da casa de meus pais disposto a viajar / eu conhecia já o rebentar do mar / das páginas dos livros que já tinha lido”. Está no “Homem de palavra(s)” esse poema que termina com o poeta perguntando-se quando foi isso, não tendo para essa pergunta resposta bastante. Isso explica os versos finais do poema: “Só sei que tinha o poder duma criança/ Entre as coisas e mim havia vizinhança /E tudo era possível, era só querer”.
A notícia que motivou esta deambulação diz-nos, da IA, a possibilidade de que ela confunda leitores, mais ou menos calejados, de poetas maiores. Admitamos que, com a sua vasta asa tecnológica, essa possibilidade abranja tudo. E que tudo seja possível, mesmo se apenas ilusoriamente possível. Também, nesta nova frente poética, genialmente enganadora, bastará querer? Se sim, até onde irá o querer desta fonte geradora de formidáveis enganos?