Os olhos pousam no alto da orla direita da página 18 do JN de hoje e convocam um invisível guarda-rios. Todo o cuidado é pouco e, tal como as águas da Meimoa vão dar ao Zêzere que vem dar às nossas torneiras na cidade grande, pode a escorrência contaminar os nossos olhos assim postos a beber o dia, sabe-se lá. Que não escorra, pois, da notícia mais ao alto, aquela que relata o crime de poluição das águas da ribeira de Meimoa, agora levado à barra do Tribunal Judicial do Fundão, qualquer vestígio de resíduos para a outra que a ela encosta, descendo a página sobre a esperançosa união de esforços entre duas autarquias, a da Mealhada e a da Anadia, dispostas a cuidar do Cértima, nos 32 quilómetros em que o rio percorre os dois concelhos. Mealhada e Anadia não cuidam só do vinho, também arregaçam mangas para as águas que por lá correm pressurosas para o deleite de Fermentelos, poema de moliço, de nenúfares e de achigãs. As duas câmaras vão tratar da estabilização das margens, das limpezas e das dragagens do Cértima, rio cujo nome tem ressonâncias mágicas, trazendo à tona uma das lendas associada à rainha que muitos diziam santa.
Corre o Cértima lá do alto do Bussaco e em parte do percurso, nas voltas de Avelãs de Caminho, lhe chamam Certoma. Estamos na margem da lenda: passando Isabel de Aragão por aquelas bandas, a caminho de Santiago, e sentindo sede, alguém do séquito recolheu água do rio. Provou a rainha e estranhou o sabor. Consta que disse: “é decerto má”. De “decerto má” a certoma foi uma longa correnteza, as palavras têm nascente e foz como os rios, ajustam-se ao leito que as acolhe, vão na enxurrada ou espraiam-se em mudança lenta, assim não surjam no caminho descargas poluentes.
Pudessem as águas do Cértima, concluída a magnifica empreitada dos municípios da Mealhada e da Anadia, dar pétalas como um regaço de rainha. E não resultasse tal prodígio da necessidade de pão em bocas famintas, por terem sido, nas margens, saciadas as fomes.
Vão a par as duas notícias, como rios paralelos. Há entre a notícia de cima e a de baixo a fotografia de uma ponte e isso acentua graficamente a cautela inicialmente expressa nesta crónica.
Na verdade, da correnteza das notícias se pode dizer que é violenta, como Brecht dizia que se diz do rio que tudo arrasta. Mas ninguém diz que é violenta a paginação, por mais fortuita, como é o caso. Eis as notícias e as margens que as comprimem.