O jornal espanhol Público contava este fim de semana a história de Kevin Mochales, um rapaz franzino, estudante de filosofia na Universidade Autónoma de Madrid e jovem escritor por conta própria.
Kevin levou de casa uma cadeira desdobrável e improvisou uma banca rudimentar junto ao bloco 20A da Feira do Livro de Madrid.
Num cartaz virado a quem passava escreveu em maiúsculas: “Humilde escritor tenta publicar o seu primeiro livro”.
Ele conta que, se não vender 150 exemplares até ao último dia da Feira do Livro, a editora “queimará” o seu poemário. Mas se conseguir esgotar essa primeira tiragem de prova, a editora assinará com ele um contrato que prevê a publicação de mil exemplares. A alternativa é a guilhotina.
Até ao momento em que o repórter o interpelou tinha vendido 70 exemplares. Não ensaiara qualquer estratégia de abordagem aos que passam. Está sentado. Se se aproximam, se lhe sorriem, ele sorri. Aproximam-se e falam. “O livro vende-se sozinho”, acredita Kevin.
Tem os livros num saco, só os tira, quando o abordam. Agora, o jovem autor de “Diário de um Deus muito humano” está a ser abordado por um segurança que o convida a desmontar a banca. Um segurança pouco humano, mais poderoso que um deus menor.
O jovem autor de “Diário de um Deus muito humano”, fala da sua ópera prima, no sentido de primeira obra, artesanal. E se dentro do saco ele tem uma obra prima?
Afastado por um segurança, ele observa: “Não lhes faço concorrência. Sou eu e um cartel”. O autor de “Diário de um Deus muito humano” desmonta a tenda sob a ameaça de um segurança pouco humano.
Um poeta maior, cuja obra nos foi longínqua, um vasto desconhecido, deixou uns versos sobre o tema: “Falaram-me os homens em
humanidade / mas eu nunca vi homens nem vi humanidade / Vi vários homens assombrosamente diferentes entre si / Cada um separado do outro por um espaço sem homens”.
A mulher que garantiu a edição crítica destes versos e impediu que o espólio do poeta, um tal Pessoa, daqui fosse levado e lutou para que a fabulosa arca ficasse em posse do Estado, morreu este fim de semana, enquanto um humilde escritor tentava salvar da guilhotina o seu primeiro livro. Não nos esqueçamos dela, Teresa Rita Lopes. Já o jovem Kevin, se o desumano segurança não se lhe atravessar de novo num recanto discreto da feira do livro de Madrid, tem muito caminho pela frente.