A notícia já tem uns dias, cinco ou seis, mas só agora desaguou no ecrã do meu computador. Para o que me interessa, vem mais do que a tempo. Procurando “combater a desinformação em matérias ambientais”, conta a notícia, a biblioteca municipal de Bragança organizou no passado fim de semana uma caminhada que levou os participantes ao longo das margens dos rios Fervença e Sabor. O Fervença desce a serra da Nogueira até abraçar o Sabor, depois de bordejar Bragança onde um programa Polis o salvou dos esgotos urbanos e o Sabor é uma criatura mutante, por vezes rio, por vezes lago, plantado de santuários. Uma biblioteca pode e deve dizer aos seus frequentadores, neste caso alunos do Politécnico de Bragança e da Escola Abade de Baçal, “ali está o rio”. Uma biblioteca pode e deve levar os seus leitores à margem do rio onde uma certa canção do Zeca colocou dois homens, um determinado a dar um passo, o outro não. Iniciativas como a da biblioteca de Bragança ajudam o poldrão a ser destemido, a dar o passo para a margem de lá, a colher o figo que, na canção, só o atrevido alcança. Procurai a canção, está no álbum “Enquanto há força”. Procurai o rio.
Esta notícia interessa-me porque me insinua perguntas improváveis. Por exemplo: onde desagua uma biblioteca?
Uma biblioteca é um lugar onde se guardam livros e rios. Não apenas porque guarde livros que falam de rios. Mas porque é o lugar de onde se pode ir a qualquer parte navegando um rio ou um livro. Há rios que nascem nos livros.
Nas “Memórias Inventadas para Crianças”, Manoel de Barros conta que, certo dia, a mãe lhe deu um rio. Foi isso no dia dos seus anos. O irmão deixou escapar algum ciúme, afinal o rio era o que passava atrás da casa e tinha por ele um igual desvelo. Então a mãe disse ao irmão de Manoel que, no dia dos seus anos, lhe daria, de prenda, uma árvore com pássaros. Dar um livro não é muito diferente.
Os rios, tal como os livros, são capazes de nos surpreender e de nos desconcertar. Li, por estes dias, sobre um rio, algures no Brasil, que corre ao contrário. E sobre outro que corre nos dois sentidos, como se tivesse duas faixas de água, com um talvez caótico trânsito de peixes (isso não apurei). E li que quando o Paquistão e a Índia desatinaram gravemente na linha de fronteira, o primeiro ministro indiano ameaçou cortar a água dos rios que correm da Índia para o Paquistão.
Cortar a água de um rio é como proibir um livro ou fechá-lo de tal modo que não possa desaguar no leitor.