A Folha de São Paulo noticia um encontro de busólogos. Os busólogos, explica o jornal, são os fãs de onibus, os fãs de bus, nenhum busílis. São muitos e alimentam uma literacia específica com os seus rituais. No jornal, uma militante da causa sorri para a foto da praxe, numa central de camionagem. A t-shirt anuncia um Encontro de Busólogos 2024. A busologia existe, é mais do que uma onda, é um culto com os seus cerimoniais.
Um dos parques de estacionamento de busólogos nas redes sociais junta milhares que discutem tudo: a história de empresas de camionagem, as carroçarias, os nomes das empresas rodoviárias e as suas histórias, a apresentação do primeiro “ligeirinho” cem por cento eléctrico “no padrão UBRS em Curitiba”. Tudo.
Aqui chegado, a minha infância voltou a fazer as tantas curvas do pinhal, de pé, por deferência do motorista, mas bem agarrado, cuidado, retendo um por um, na sequência correcta, os nomes das aldeias, Mougueira, Portela dos Bezerrins, Moinho do Cabo, Vale do Pereiro, onde havia sempre enormes bidões de resina, junto à casa onde vive hoje o grande poeta Miguel Manso. Se decorássemos aldeias, como haveríamos de decorar rios e afluentes..e serras de norte a sul… Mas, lembras-te? A que cheiravam as camionetas da Libano Vaz Serra? Cheiravam intensamente a maçãs bravo de esmolfe e a gasóleo mal queimado, foi pena não teres seguido busologia, por um ramal mais directo para antropologia. Se houvesse, nesse tempo, colecções de cromos com os modelos mais ronceiros da camionagem…
Íamos todos alegremente no autocarro, muito antes de eu ter escutado a campainha de um poema de Gedeão, “as crianças tristes passam alegres no autocarro”. Nesse poema passam tristes todos os que vão alegremente no autocarro, soldados a caminho do cais de embarque, porque a guerra é triste, mas eles vão alegremente no autocarro, operários a caminho da fábrica triste onde vão vigiar as máquinas, alegremente no autocarro, camponeses vão para a cidade aplaudir o discurso, tão tristes eles como o discurso, mas vão alegremente no autocarro, como um busólogo a caminho do Encontro de 2024. Tão alegres, com a nossa tristeza e o nosso passe social.
Afinal o que me prendeu à notícia da Folha de São Paulo foi um detalhe, uma minudência: há, entre os busólogos, quem tenha aprimorado a arte de reconhecer a marca do autocarro pelo ronco do motor.
Anotas as mais ousadas linhas do lay out de um novo ônibus na Rodovia Anhanguera, em Campinas. Ou esperas o autocarro que tarda na estrada da Luz. Compõe alegremente a tua tristeza. Que ronco é esse no motor que te faz seguir, busólogo que nunca encontraste o ramal para a antropologia.