Na capa do Público, o rosto de Dinis, rei poeta, 700 anos passados sobre a sua morte. “Este é o rosto do rei”, anuncia o jornal, ancorando tal espantosa, mas fidedigna, revelação na reconstituição facial 3D de um esqueleto que a antropóloga biológica Eugénia Cunha, da Universidade de Coimbra, descreve como “muito bem conservado, com todos os ossos faciais preservados”.
Isso explica o título interior a duas páginas: “Esta é a cara que a ciência deu ao rei D. Dinis”. Desta vez, foram os cientistas que lhe pentearam o crânio ermo, não já com a cabeleira das avós, mas com a irrefutável certeza dos testes genéticos e dos dados arqueológicos e forenses. Uma geneticista ouvida pelo Público confirma o tom claro dos cabelos do rei, mas não ousa esclarecer se tais cabelos seriam lisos ou encaracolados.
O trabalho dos cientistas permite saber que o rei trovador teria um “nariz alongado”, mas não revela indícios de que possa ter sido tal adereço desmesurado que valha um soneto ao estilo daquele com que o grande Quevedo tentou ridicularizar Luís de Gôngora. Nada autoriza um verso ao estilo daqueles com que Quevedo descreveu “um homem a um nariz pregado, / um nariz superlativo”.
O rosto do rei, tão diferente daquele façanhudo que conhecíamos dos manuais, fita-nos de uma janela mais pequena na capa do JN. Mas imagino um poeta como Manuel Alegre mais tocado pelo título que o acompanha: “D. Dinis tinha olhos azuis, pele e cabelos claros”.
Tenho dado comigo a imaginar o modo como Alegre terá reagido à revelação do rosto verdadeiro do rei poeta que tanto estima.
Quando o seu livro “Doze Naus” conquistou o prémio D. Dinis, Alegre agradeceu aos que lhe conferiram a distinção na Casa de Mateus não sem deixar registado que aquilo que mais o tocava era o facto de o prémio ter o nome do autor das Flores de Verde Pinho.
São azuis os olhos do rei poeta, “azuis da cor do céu”, como os que passando diante do Pessoa faziam com que este esquecesse uma certa “dor constante”.
Não ousa o Pessoa alvitrar a cor dos olhos do rei poeta a quem, na Mensagem, chama “plantador de naus a haver”. Nesse sexto poema ele chama-nos para a noite em que Dinis escreve “um seu Cantar de Amigo” e faz-nos escutar “o rumor dos pinhais que, como um trigo / de Império, ondulam sem se poder ver”.
Tenho dado comigo a imaginar.