Tais Oliveira é uma jovem cidadã brasileira nascida no ano de 2005. Reside com a família, legalmente, desde 2017, na região de Leiria onde concluiu o ensino básico e secundário. Pedro Biscaia, amigo comum, faz-me chegar o registo da delicada indignação de Tais nas redes sociais, a propósito da entrada em vigor do cheque-livro a que Tais se candidatou sem sucesso.
Tais Oliveira, 19 anos, apresenta-se: “Nunca estive ilegal. Fiz exames nacionais, ingressei no ensino superior com uma das melhores notas do meu curso”. Ao registar-se para obter o cheque-livro foi surpreendida com o que considera uma discriminação: o impedimento de registo de jovens estrangeiros sem cartão de cidadão. Tais Oliveira lembra o modo como, aquando da apresentação da louvável medida do ministério da Cultura, a comunicação social enfatizou a notícia sublinhando que ela se dirigia a todos os residentes em Portugal nascidos em 2005 e 2006. Os media, lembra a jovem de Leiria, sublinhavam ainda a intenção de “aumentar os índices de leitura entre as gerações mais jovens”.
Tais Oliveira tenta registar-se e recebe uma resposta que a remete para uma portaria de 21 de Março e para um despacho de 2 de Outubro os quais estabelecem que o Programa Cheque-Livro se aplica aos jovens residentes em território nacional detentores de Cartão de Cidadão válido. O título de residência ou a chave móvel digital não bastam. Mas a resposta da entidade oficial que assegura o Programa Cheque-Livro não contempla a pergunta que a jovem Tais Oliveira deixa nas redes sociais: “Se cumpro todos os requisitos, o que é isto senão uma forma de segregação que me impede de ser tratada da mesma forma que qualquer outro jovem português? A quem mais, senão a nós, cidadãos que trabalhamos e contribuímos para este país, são destinadas essas políticas públicas?”
Tais Oliveira tem outra pergunta e ocorre-me que seria interessante e muito proveitoso um programa no qual jovens como ela pudessem trocar ideias com o ministro da pasta ou um director geral despido da invisível gravata que alguns usam dentro da garganta.
Venha a pergunta. A pergunta é esta: “A minha nacionalidade continuará sendo uma barreira invisível que me impede de ter acesso aos mesmos direitos que qualquer outro residente ou, finalmente, a discriminação a que somos submetidos diariamente nos serviços públicos deste país será corrigida?”.
Num primeiro momento, procurei o sítio electrónico do Programa Cheque-Livro. Deparei com uma ideia formidável: “Ler é como viajar sem sair do lugar”. Num segundo momento, perguntei ao meu amigo Pedro Biscaia, cidadão culto e socialmente interventivo, se conhecia a jovem Tais. Ele respondeu-me com uma frase de Geraldo Oliveira, dirigente de uma associação que apoia a integração de imigrantes brasileiros: “Acolher é deixar entrar no salão de baile. Integrar é pegar para dançar”.
Geraldo é pai de Tais. Imaginai que a jovem entra em casa sorridente com um livro na mão. Um livro de Afonso Cruz, ou de Valério Romão, ou de Isabel Rio Novo, ou de Manuel Jorge Marmelo, ou de Agustina, ou de quem muito bem lhe tenha apetecido. O pai interpela-a: “Vens muito sorridente, como se te tivessem deixado entrar no salão de baile”. Tomai que ela responde: “Peguei este livro para dançar, sem sair do lugar”. Não haverá nesse instante feliz um selo integrador do Programa Cheque-Livro.