Entregam-se ainda, numa sonsa sorna calculada, putativos candidatos presidenciais a uma distendida e, em alguns casos, decerto insensata, ponderação, eis que se instala, no quadro da contenda autárquica, de mais célere calendário, outro modo de afirmar um estado de alma: a tentação. Num dos casos em que essa tentação já só aguarda calendário conveniente, nada parece travar já a resposta mais do que entrevista. Porque a tentação é, no caso, “íntima e gigantesca”. A tentação, dita com as palavras que o ainda ministro Pedro Duarte utilizou ontem, no Porto, já dispensa ponderações. É a rua Escura transformada em Campo Alegre.
Face ao que designa como “apelos relevantes” da cidade do Porto, o mais do que provável candidato Pedro Duarte, actualmente ministro dos Assuntos Parlamentares, abre o coração num almoço-debate e responde, já sem evasivas, ao que considera a “ansiedade crescente” dos apaniguados. É essa ansiedade que desperta no, por agora, ministro uma “tentação íntima gigantesca”. Já nem sequer falta, o próprio Pedro Duarte o disse ontem, “um plano de como e quando”.
Enfim, a coisa está mais nos carris do que parece. Lá para a primavera, disse o ministro. A candidatura ganha a sua rua da Firmeza, acautelada a Porta das Virtudes. Sobe as suas Escadas das Verdades, a ponte de São Luís ao fundo, dando de barato que o antigo nome da via íngreme tenha sido Escadas das Mentiras. Estamos um passo adiante do “não confirmo, nem desminto”. Já o Oscar Wilde garantia que se pode resistir a tudo, menos à tentação.
Leio o entusiasmo, nem sequer contido, do homem que diz não ser indiferente a um conjunto de vozes, apelos, pedidos e manifestações junto da sua pessoa no mesmo JN onde, umas páginas antes, o escritor Afonso Reis Cabral, escancara, na rubrica “Ansiedade Crónica”, as suas “saudades do Porto”. O autor começa por declarar que um dos seus “maiores defeitos” é não ter tais saudades. E logo vem a contrição sentida: “Desculpem-me os portuenses, desculpem-me, desculpem-me”.
Três vezes leva Afonso, num só parágrafo, a mão ao peito. Vale a pena ler a crónica, também para percebermos o que leva o autor a pedir, no último parágrafo, desculpas aos lisboetas. Possa a reflexão ser proveitosa ao ministro tentado a ser autarca.
Ultrapassada a fase da ponderação em que outros mergulham num calculado e calculista alheamento, Pedro Duarte confronta-se por agora com uma irremediável tentação gigantesca e íntima. Tal estado de alma – Sublime Tentação – terá conduzido à escolha de nome de um salão de cabeleireiros da rua do Bonjardim onde, para outros, a maior tentação é o pernil do Antunes, ainda que a rua acolha também um Pedro dos Frangos. Andar pelas ruas, numa cidade onde a rua das Musas já foi viela dos Abraços, abre íntimos e gigantescos apetites. E ansiedades crónicas.
Enfim, andar é meio caminho andado.