Na tarde de zapping à espera de fumo branco, houve, no “Zoom África”, o breve fumo negro do mundo lá fora.
A libertação do jornalista Blessed Mhlanga pelas autoridades do Zimbabwe, depois de 73 dias de cativeiro que justificaram uma insistente campanha da Amnistia Internacional, não lhe permite ainda respirar fundo. Ele enfrenta os holofotes dos repórteres das televisões de olhos muitos abertos, abrindo um sorriso largo que não evita as lágrimas. O que tem ele a dizer, depois de um cativeiro que viola a Constituição do país, que crime foi o dele? Entrevistou um dirigente de um partido da Oposição que colocou o dedo e a voz em mais do que uma ferida. Como lembrara recentemente Lucia Masuka, da Amnistia Internacional no Zimbabwe, “quando um jornalista relata casos de corrupção ou de desrespeito pelos direitos humanos no Zimbabwe dificilmente evita problemas com as autoridades”.
O que pudemos ver ontem, numa nesga de mundo lá fora, durante a longa espera de um fumo branco (que não tardaria)? Um homem atravessando a noite escura do lado de fora da prisão, segurando uma pequena mala e um saco de plástico, sorrindo para os que travaram por ele um combate persistente. Corre ao seu encontro um dos filhos, ainda criança, braços abertos para os braços abertos dele, ele abre um sorriso que ilumina a noite como uma fogueira, os repórteres querem, dele, palavras, breves que sejam, contidas que sejam, prisioneiras de uma circunstância vigiada que sejam, e são.
Ele esperou 73 dias por esta nesga, por esta possibilidade de acender palavras no escuro, fala Mhlanga, que eu estou em zapping.
E ele disse: “É impossível descrever estes 73 dias que eu vivi”.
É estranho que ele o diga, homem tarimbado em palavras, treinado para usar a ferramenta que as palavras são, é de encadeamento rigoroso de palavras o seu ofício, teve tanto tempo para ponderar,
alinhavar na cabeça uma correnteza certeira de palavras. Mas ele diz-nos: “É impossível descrever estes 73 dias que eu vivi”.
Riu e chorou, abraçou o filho ainda criança que correu para ele e os amigos à sua espera, fala Blessed, dizem o nome dele como se de novo o baptizassem, fala Abençoado. E ele, os olhos tão abertos, as lágrimas dele no “Zoom África”, um minuto se tanto durou isso – é que havia ainda uma história de um tribunal queniano que condenara quatro jovens que pretendiam contrabandear formigas, uma qualquer espécie valiosa de formigas – fala Blessed, que ousaste ser, no carreiro do teu país, formiga em sentido contrário. E ele: “O que eu vivi nestes dias é o inferno”.
Regressei ao zapping, não tardaria um fumo branco a anunciar o caminho das pedras para o paraíso. E não tardou.