Ana Sofia Carvalheda "seguiu o som" de Vanessa da Mata e
conversou com a cantora-compositora.
"Antes deste disco eu vim de um final de “Bicicletas, bolos e outras alegrias” e de um convite inesperado, mas rapidamente aceito do SESC Pinheiros para interpretar “Luiz Gonzaga”. A experiência de entrar em outras intimidades como a de Gonzaga, linda, rica musicalmente e cheia de crônicas de uma época pouco registrada, me fez querer de qualquer maneira deixar por um tempo, relativamente pequeno, o meu quadrado e conhecer outros compositores. Sendo assim, fui pedida em casamento por Tom Jobim em seguida e não pude rejeitar, já que ele era sedutor ao extremo. Essa relação me fez muito feliz enquanto durou. Mas, antes mesmo de Tom chegar em minha vida, quando eu disse ao Kassin e Liminha que achava não ter boas canções e que gostaria de cantar outras histórias, Kassin quis ver as pequenas ideias melódicas que eu tinha. Dito e feito, o meu medo se tornou realidade. Ele não só gostou das composições, como me convenceu de que tínhamos um ótimo potencial para um disco. Kassin sempre tem bons argumentos e é uma pessoa persuasiva. Raro para homens.
Liminha terminou de dar a paulada final na ideia do disco depois de ouvir os meus rabiscos que Kassin mostrou. Dois produtores fortes, que respeito muito e que têm a ver com minha vida musical desde o início. Nada mais me fazia mudar de ideia, só mesmo Tom. Lá fui eu terminar dia e noite as canções que não achava ter. Fiz outras como “Toda a humanidade veio de uma mulher”, “Homem invisível no mundo invisível”, “Rebola nega”, “Desejos e medos”… a maioria acabei desenvolvendo para entrarmos no estúdio dias depois. Foi uma ótima pressão, digo isso porque me desenvolvo bem com ela.
A começar pelos produtores musicais que escolhi para fazer comigo este disco, não poderia dizer apenas termos técnicos, nem tão pouco ternos agradecimentos. Afinal de contas, antes de tudo, para as pessoas sensíveis, cuja musica é parte básica e essencial da vida, devo dizer que esses caras fazem parte da história sensorial – musical brasileira. Para a nossa sorte que trabalhamos com isso, da imprensa e de milhões de brasileiros cuja música faz parte do essencial da vida, isso quer dizer muito. Os comandantes de longa (Liminha) ou mais recente (Kassin) data, trouxeram para o estúdio gravações que foram experimentadas, swingadas, degustadas por nós, especialmente por mim. Afinal de contas, apesar de ter começado o disco há um ano e pouco, fui ouvi-lo novamente e quase tudo era novo. O que não era, fizemos ser. Substituímos músicas, rearranjamos superfícies, bases, mudei letras, compusemos uma parceria deliciosa para comemorar e finalizar este caminho e soltar pelos quatro cantos seguindo uma confiança de que para mim este é o meu melhor disco de carreira. Digo isso por muitos motivos, inclusive pelo tempo que tivemos para sanar a falta que poderia existir no disco.
Se repararem bem nos nomes e nas atividades históricas destes homens, teremos uma memória musical longa de um encontro de pelo menos três gerações de músicos, arranjadores e produtores em atividade de discos históricos ou se desenvolvendo como produtores – caso de Fernando Catatau, Marcelo Jeneci e Stephane San Juan.
A música torna-se real pela sua composição, mas o talento dos músicos é o que faz uma canção saltar. Como compositora eu sempre soube disso. Como cantora e ouvinte também tenho muito a ganhar por me cercar deles. Faço questão, sempre fiz. Não se tem bons acompanhantes na canoa ou no leme, como disse Gilberto Gil, ou na canção, se eles não sentem bem os movimentos ou não sabem fazer as curvas necessárias para acessar, transbordar sensações, surpreender e até criar novos caminhos. É o caso da única canção deste disco não autoral, “Sunshine”- uma canção simples, folk americana, da qual me lembro de tê-la ouvido em uma voz doce, sem exageros, sincera e que guardei em algum momento da minha infância. Linda versão, por sinal. Todas as vezes que eu a ouvia, eu sorria. E isso é que era necessário para achar com esses artistas, um arranjo grandioso que a catapultasse para outro estilo e emoção. Kassin me trouxe tecnologia para desdobrar a voz com um pedal que eu não conhecia, e Liminha mudou acordes em um momento em que a canção não mais parecia se desenvolver como precisava. Os tais caminhos novos diferentes da versão original de John Denver."
Vanessa da Mata
"Lembro-me do que me parece ter sido a primeira vez em que a vi, Vanessa sentada no chão, num dos degráus da escada de um teatro vazio em São Paulo, acompanhada de alguém que me conhecia e que nos apresentou – “esta menina é uma artista, só está começando, ainda vamos ouvir muito falar dela.”
Algum tempo depois Caetano me falou dela, da música, dos cabelos encaracoladamente fartos. Muita gente começou a falar dela. Todo mundo passou a falar dela. Aqui estou eu a falar dela, por causa do seu novo disco, “Segue o Som”, que está saindo, e em que ela nos oferece – já mais madura – o mesmo repertório de voz canacaiana, versos afiados, melôs da hora, músicos rio abaixo e acima remando com ela e deixado a canoa correr sozinha, que eles já sabem como ela gosta de flutuar nas águas da canção.
Liminha e Kassin no leme, mais uma vez ditando o ritmo já tão bem delineado na composição que se reafirma como uma das marcas mais evidentes do talento de Vanessa. São quase todas de sua autoria as canções do disco, e, em todas elas, um domínio, uma fluência, uma ciência dos sutís labirintos do modal contemporâneo e das rítmicas de agora, coisas a que ela junta sua já tão querida brejeirice e sua maneira tão maneira de levar uma banda com ela.
Eu não tenho propriamente faixas a destacar embora “desejos e medos” tenha me chamado a atenção entre as mais suaves e “rebola nêga” pelo sincopado tão brazuca a lembrar a melhor Elis.
Festejamos a chegada de mais um disco de Vanessa, este aqui preparado ao longo de um curtido período de mais de um ano, em que ela se deu o tempo para conferir a bússola, varrer o horizonte, afiar a faca e confiar, mais uma vez, no coração de moça-onça (que ela não nos ouça!)."
Gilberto Gil
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