Estratosférica, o novo álbum de Gal Costa, pode ser definido a partir dos versos de Sem Medo nem Esperança, escritos para ela pelo poeta Antonio Cícero e musicados por Arthur Nogueira.
Quando está prestes a completar 70 anos e a celebrar cinco décadas de carreira, Gal Costa reinventa-se mais uma vez em "Estratosférica".
Dona de uma das mais belas e conhecidas vozes do Brasil, a cantora busca na geração actual inspiração para fazer tudo novo, de novo.
A lista de compositores do disco é eclética: entre outros nomes, tem Marcelo Camelo, Criolo, Marisa Monte, Caetano Veloso, entre outros.
São 14 faixas inéditas, compostas sob medida, para celebrar um momento singular na carreira deste notável nome da música popular do Brasil.
Ana Sofia Carvalheda conversou, por telefone, com a cantora brasileira.
Disco Antena 1.
Estratosférica, o novo álbum de Gal Costa, pode ser definido a partir dos versos de "Sem Medo nem Esperança”, escritos para ela pelo poeta Antonio Cicero e musicados por Arthur Nogueira: "Nada do que fiz, por mais feliz, está à altura do que há por fazer".
Conversei muito com Cicero a respeito disso. Ponderei quantos destinos e cabeças Gal já havia transformado com seus graves e agudos, emitidos com a pureza de quem está em estado de meditação. E sobre quantos mais ela ainda poderia transformar.
Embora marque os 50 anos de carreira da maior cantora do Brasil, o trabalho se embrenha por caminhos muito mais arriscados. Foge da saudade de tudo de tão sólido que já foi construído por Gal nestas cinco décadas e, em vez de cair em segura repetição retrospectiva, busca só "o que há por fazer". (…)
Estão aqui 15 canções inéditas e a maior parte dos autores envolvidos nelas – de Marisa Monte a Marcelo Camelo – nunca havia passado pela voz de Gal.
Marisa enviou “Amor se Acalme”, uma doce canção de ninar feita a seis mãos com Arnaldo Antunes e Cezar Mendes.
Marcelo mandou “Espelho d’Água”, sua primeira parceria com o irmão, Thiago Camelo, que está em vias de publicar seu segundo livro de poesia. Essa, aliás, nós usamos para batizar o show de voz, guitarra e violão que Gal e o músico Guilherme Monteiro fizeram no ano passado, com direção minha. Já está testada e aprovada ao vivo.
Céu, Pupillo e Junio Barreto compuseram “Estratosférica” sob encomenda, numa madrugada, já nos últimos dias de estúdio.
E a exuberância que a imagem do título da canção aponta nos levou ao nome do disco. Assim que botou a voz, Gal sugeriu: “Ouço aqui uns sopros de Lincoln Olivetti, como em ‘Festa do Interior’. Vamos pedir a ele?”. Lincoln topou. E foi esse o último arranjo que fez na vida.
Mas Lincoln Olivetti surge em “Estratosférica” também como compositor.
A caymmiana “Muita Sorte” é tema inédito escrito por ele com o parceiro Rogê.
Junio Barreto é o único autor com duas canções no disco físico. Além de “Estratosférica”, também é dele a visceral “Jabitacá” (nome de uma serra na divisa entre Pernambuco e Paraíba), escrita com Lira, ex-líder da banda Cordel do Fogo Encantado.
Vivendo em Nova Iorque, a cantora e atriz Thalma de Freitas enviou “Ecstasy”, uma canção construída por ela (letra e a melodia) sobre uma das muitas harmonias que João Donato deixou gravada no laptop dela. Ter Donato – e ele toca Rhodes na faixa – por perto cria uma ponte
com aquela Gal que já experimentava as delicadezas “donatianas” no clássico álbum “Cantar”, de 1974.
Feita especialmente para a voz de Gal, “Dez Anjos” é a primeira – e até agora única – parceria entre Milton Nascimento e Criolo. O encontro para a feitura dessa música fortaleceu a amizade entre os dois artistas e desaguou na turnê “Linha de Frente”, que eles fizeram juntos no ano passado.
Mallu Magalhães é a caçula do time. E mandou a canção mais deliciosamente pop: a jorgebenjoriana “Quando Você Olha pra Ela”. A faixa foi escolhida como single de “Estratosférica” e vai ganhar um videoclipe nas próximas semanas.
Tom Zé, que não aparecia em uma ficha técnica de Gal desde que “Namorinho de Portão” surgiu no primeiro álbum solo dela, em 1969, mandou a sexy “Por Baixo”.
“Casca” tem música de Alberto Continentino e letra de Jonas Sá, grande mago pop da cena carioca contemporânea.
Já em estúdio, Moreno Veloso trouxe “Anuviar”, feita com Domenico Lancellotti.
“Você me Deu” inaugura a parceria entre Caetano Veloso e seu filho do meio, Zeca Veloso. Ela fecha o disco lembrando da importância de “Recanto”, álbum dirigido por Caetano em 2011, para que “Estratosférica” pudesse acontecer.
Entre as faixas-bônus, que vão surgir apenas na versão digital de “Estratosférica”, há outra estreia importante. “Vou Buscar Você pra Mim” é a primeira canção de Guilherme Arantes gravada por Gal. Era um sonho do compositor, ele me disse. Contei para Gal e ouvi de volta:
“Mas eu sempre quis que Guilherme fizesse alguma coisa para mim. Ah, se eu soubesse…”.
“Átimo de Som”, a outra faixa exclusiva da versão digital, tem letra de Arnaldo Antunes e música de Zé Miguel Wisnik.
As gravações de base aconteceram no final do ano passado, no RootSans, estúdio aconchegante no clássico bairro roqueiro da Pompeia, em São Paulo. A banda base tinha Pupillo (Nação Zumbi) na bateria e percussões, Guilherme Monteiro nos violões e guitarras, André Lima
nos teclados e o próprio Kassin no baixo.
Gal estava presente em tudo desde o início, ajudou a levantar os arranjos de base, deu palpites fundamentais em todas as fases da produção musical. Depois disso, os produtores musicais levaram o material para o Studio Marini, de Kassin.
A foto da capa foi feita por Bob Wolfenson.
Começamos a trabalhar, Gal e eu, em setembro de 2013. Fui atrás dos compositores, sobretudo artistas da nova geração, e cheguei a recolher um baú de 150 canções inéditas. Passávamos as tardes na casa dela, soterrados em dezenas de páginas com letras impressas e arquivos mp3. Ela ouvia, anotava, voltava, cantarolava por cima, separava. Podíamos ter feito dez discos, talvez ainda façamos. Quando entramos em estúdio, um ano depois do primeiro encontro, ela disse (e depois repetiu muitas vezes) aos produtores musicais Kassin e Moreno Veloso: “Enlouqueçam nos arranjos. Não quero nada careta. Quero um disco arrojado”. O disco está feito.
Voltemos agora à canção de Arthur Nogueira e Antonio Cicero.
A expressão “sem medo nem esperança” nada tem nada ver com não acreditar em um futuro melhor, como poderia indicar uma interpretação desconcentrada. Ao contrário, ela quer nos levar a um viver profundo do momento presente, pois é nele que está a raiz do porvir. Assim – carpe diem! –, pegando o tempo presente nas mãos, pela boca e pelos cabelos, Gal fez outro trabalho arrebatador em seus 50 anos de carreira.
E, ela sabe, ainda há muito por fazer.
Marcus Preto
GAL COSTA “ESTRATOSFÉRICA”
1 Sem Medo Nem Esperança (António Cícero-Arthur Nogueira)
2 Jabitacá (Junio Barreto – Bactéria)
3 Estratosférica (Pupillo – Junio Barreto – Céu)
4 Ecstasy (Thalma de Freitas – João Donato)
5 Dez Anjos (Milton Nascimento – Crioulo)
6 Espelho D’Água (Marcelo Camelo – Thiago Camelo)
7 Quando Você Olha Pra Ela (Mallu)
8 Por Baixo (Tom Zé)
9 Casca (Alberto Continentino – Jonas Sá)
10 Muita Sorte (Lincoln Olivetti – Rogê)
11 Amor Se Acalme (Arnaldo Antunes – Marisa Monte – Cezar Mendes)
12 Anuviar (Moreno Veloso – Domenico Lancellotti)
13 Você Me Deu (Zeca Veloso – Caetano Veloso)
14 Ilusão à Toa (Bónus) (Johnny Alf)