À imagem do que acontece nas eleições americanas (nas quais uma “super terça-feira” corresponde a uma grande concentração de primárias em vários estados num mesmo dia), também no caminho para a Eurovisão há, por vezes, uma jornada “super”. Foi assim este sábado, com sete países a apurar as suas canções, elevando assim para oito o total de representações que ficaram decididas na última semana.
Sem surpresa a mais mediática das seleções nacionais teve como epicentro a cidade italiana de San Remo, que acolheu a 73ª edição do festival que foi, de resto, aquele cujo modelo inspirou a própria criação do Festival da Eurovisão (em 1956). A vitória coube ao já bem conhecido Marco Mengoni, com “Due Vite”, canção que lhe dá assim um convite para regressar à Eurovisão, precisamente dez anos depois de ter representado a Itália (em 2013) com “L’Essenciale”, que obteve então o sétimo lugar. Na imprensa internacional e nas redes sociais um dos acontecimentos mais comentados da edição deste ano do Festival de San Remo foi todavia o incidente protagonizado por Blanco (que em 2022 venceu o concurso, num dueto com Mahmood), que destruiu a cenografia criada para a canção que apresentou fora da competição, justificando depois que estava sem escuta nos seus auriculares. O festival italiano, que teve como co-apresentador o cantor Gianni Morandi (que representou Itália na Eurovisão em 1970) nas quatro semifinais e final, contou com 28 canções a concurso, juntando, tal como sucedera já em 2022, os oito candidatos (iniciados) da secção “Giovanni” aos vinte da seleção der “artistas principais”. Presente na Eurovisão desde a estreia, em 1956, a Itália conquistou já três vitórias, a mais recente obtida em 2021, em Roterdão, com os Maneskin.
Mais a norte o Melodi Grand Prix 2023 dinamarquês escolhia, horas antes, o jovem Reiley com a canção “Breaking My Heart” para representar o país em Liverpool. Oito canções foram apresentadas no programa, que decorreu na Arena Næstved, tendo três chegado à etapa da “superfinal”, na qual a decisão da vencedora coube já não apenas ao voto popular (como na fase inicial da seleção), mas a uma soma desta com a votação de um júri profissional. Com 20 anos de idade e os primeiros anos vividos nas ilhas Feroe, Riley vive atualmente na Coreia do Sul, onde tem trabalhado com vários artistas ligados à K-pop. O facto de ter apresentado a canção num festival na Coreia do Sul antes mesmo da final dinamarquesa chegou a levantar a hipótese de uma eventual desqualificação, o que acabou por não se verificar pelo facto dessa atuação estar dentro da janela de tempo definida pelas regras da Eurovisão. Com presença no festival desde 1957, a Dinamarca soma, tal como a Itália, três vitórias na Eurovisão, a primeira das quais há precisamente 60 anos com “Dansevise”, da dupla Grethe e Jorgen Ingmann. A mais recente aconteceu há dez anos, com “Only Teardrops” de Emily DeForest.
O “super sábado” deste fim de semana foi igualmente intenso nos países bálticos. A Estónia realizou o seu Eesti Laul 2023, que terminou com a vitória da cantora Alika, com “Bridges”, da qual é uma das autoras. Depois de duas semifinais em janeiro, a final, com cerca de quatro horas e meia de duração (com intervalo para um noticiário) teve lugar no Tondiraba Ice Hall em Talin e apresentou um total de 12 canções, com escolhas inicialmente repartidas entre o televoto e o júri internacional. Na etapa final, com apenas três canções a lutar pela vitória, a votação fez-se apenas por via do televoto. Com 20 anos, Alika Milova ganhou notoriedade ao vencer a mais recente edição local do concurso de talentos “Ídolos”, que lhe valeu um acordo editorial pelo qual lançou já lançou cinco singles. A canção que deu a vitória a Alika apresenta na equipa criativa a colaboração de Wouter Hardy, figura que surgiu já nos créditos de “Arcade” de Duncan Lawrence (a vencedora, pelos Países Baixos, em 2019) e “Tout L’Univers” de Gjon’s Tears (Suíça), que ficou em terceiro lugar em 2021. A Estónia concorre à Eurovisão desde 1994 e obteve uma vitória em 2001 com “Everybody” de Tanel Padar, Dave Benton & XL.
Ali bem perto a noite foi também de emoções fortes na Letónia, com o quarteto Sudden Lights a triunfar com “Aijā”, que tem parte da letra cantada em letão (idioma que assim regressa à Eurovisão após uma ausência de nove anos). A final local, Supernova, teve dez canções a concurso, com a votação equitativamente repartida entre o público e o júri. Duncan Lawrence, o vencedor eurovisivo de 2019, foi um dos convidados do programa. Formados em Riga em 2012 e já com três álbuns editados (o mais recente “Miljards Vasaru” sendo datado de 2022), os Sudden Lights são um nome conhecido da cena indie local e têm a sua discografia essencialmente cantada em letão. A Letónia estreou-se na Eurovisão no ano 2000, igualmente com uma banda indie, os Brainstorm, que então levaram “My Star” ao terceiro lugar. A única vitória letã no concurso data de 2002 com “I Wanna” de Marie N.
https://www.youtube.com/watch?v=PQkKJNLuO_Y
Na mesma noite o Marino Cvetković Sports Hall em Opatija acolheu a edição deste ano do Dora, a seleção local croata, que terminou com a vitória dos Let 3, uma banda da cena rock local, que levou a cena a formalmente invulgar e visualmente desafiante “Mama ŠČ!”. A canção, apresentada na final com um staging em tom satírico, foi já apresentada pela própria banda como “anti-guerra”, imaginando um mundo pós-apocalíptico. “Mama ŠČ!” foi a mais votada tanto pelo público como pelo júri e representa musical e visualmente uma das propostas mais arrojadas que a Eurovisão viu ao longo da sua história. Os Let 3 são um nome já com carreira longa. Formados em Rijeka em 1987, com vários discos editados desde 1989, são protagonistas de um percurso ao qual não faltam episódios de controvérsia e de provocação. Após a desagregação da Jugoslávia a Croácia começou a competir na Eurovoisão como país independente a partir de 1993. As suas melhores classificações são dois quartos lugares, alcançados em 1996 e 1999, respectivamente com Maja Blagdan e Doris Dragovic.
Não muito longe a Roménia escolheu também este sábado a sua canção para Liverpool, com a vitória a sorrir a Theodor Andrei, com “D.G.T. (Off and On)”. A Selecția Națională 2023, realizada nos estúdios da televisão romena, colocou este ano a decisão apenas nas mãos do público que assim escolheu Theodor Andrei entre os 12 concorrentes admitidos a concurso. Com apenas 19 anos tem já vários discos editados, os mais antigos datando da época da sua participação na versão local do “The Voice – Kids”). O seu álbum de estreia “Frágil” surgiu recentemente, em 2022, incluindo já uma outra versão de “D.G.T. (Off and On)”, numa parceria com Udateanu Luca. A nova versão, para a Eurovisão, foi encurtada para o tempo regulamentar, apresentando contudo parte da letra em inglês. A Roménia apresenta-se a concurso desde 1994, tendo como melhores resultados dos terceiros lugares, conquistados em 2005 e 2010, respetivamente por Luminita Angel & Sistem e a dupla Paula Seling e Ovi.
Em pleno Mediterrâneo o Malta Eurovision Song Contest 2023 terminou com o triunfo dos The Busker, grupo que vai levar “Dance (Our Own Party)” a Liverpool. Das 40 canções que iniciaram o percurso nas semifinais chegaram ao programa de sábado, em direto do Malta Fairs and Conventions Centre, um total de 16, tendo “Dance (Our Own Party)” vencido destacado o televoto, ficando em segundo na votação do júri. Os The Busker surgiram há 11 anos, originalmente como um duo e têm já dois álbuns editados. Malta, que participa na Eurovisão desde 1971 é neste momento o país que há mais anos espera por uma vitória (neste momento 52 anos, perto já do recorde português, que foi de 53). Malta já chegou por duas vezes ao segundo lugar, em 2002 e 2005, respetivamente com Ira Losco e Chiara.
https://www.youtube.com/watch?v=RfcKnD_mnyo
Ainda na última semana, e antes do “super sábado”, a República Checa tinha já escolhido a sua canção. As Vesna, com “My Sister’s Crown”, foram as mais votadas das cinco candidatas ao ESCZ 2023, colhendo a maior parte da votação de televoto, tanto o de origem internacional (que correspondeu a 70% do peso final da pontuação) como o checo (apenas 30%). Residentes em Praga, onde se formaram em 2016, as Vesna incluem na formação que vai a Liverpool elementos com origem não apenas na República Checa, mas também na Eslováquia, Rússia, Ucrânia e Bulgária. A banda promove encontros entre tradições folk e formas da música popular contemporânea e tem já dois álbuns editados, o mais recente sendo “Anima” (2020). Com presença na Eurovisão desde 2007, a República Checa tem como melhor resultado um sexto lugar obtido em 2018 em Lisboa por Mikolas Josef.
https://www.youtube.com/watch?v=-y78qgDlzAM