O Festival da Canção determinou este sábado mais seis finalistas, na segunda semifinal, apresentada por Sónia Araújo e Tânia Ribas de Oliveira nos estúdios da RTP. Bombazine, Diana Vilarinho, emmy Curl, Fernando Daniel, HENKA e NAPA avançam para a final de 8 de março, onde vão disputar uma ida à Eurovisão de 2025, em Basileia.

Das raízes do folclore nacional à pop orelhuda, do disco sound regenerado a uma explosão de guitarras e gritos: o ramalhete compôs-se com diferentes cores e estilos. O conjunto é representativo de “uma viagem por diferentes géneros musicais”, como a descreveu Diana Castro, intérprete de “Ginger Ale” (da edição de 2022) e comentadora da emissão especial da Antena 1. Ao início da noite, Edmundo Inácio – também comentador da Antena 1 e concorrente do Festival (“A Festa”, 2023) – previu que “as pessoas lá em casa [ficariam] chocadas… no bom sentido”.
Caleidoscópio de sons e raízes
Um dos motivos prováveis para esse choque seria HENKA, cujo som radica no rock mais industrial, tangente ao metal. Sem papas na língua e sem amarras no movimento, a performance encerrou o conjunto de dez semifinalistas – e também foi, apesar da proposta mais agressiva, a última canção selecionada para a final, repescada pelo televoto. “Já me chamaram traidora da pátria e acho que vou incluir isso numa canção”, disse a artista na conferência de imprensa, após o ensaio geral. Percebeu que tudo era real quando viu o seu nome na contracapa do CD do Festival, a que se agarrará no futuro, caso alguém duvide da sua história: “Os meus netos vão dizer ‘oh, avó, a demência já te está a dar cabo da cabeça’… mas eu tenho provas!”
A “Rapsódia da Luz” de emmy Curl foi outra prova da imprevisibilidade do Festival, à sua 61.ª edição: três minutos são suficientes para muitas melodias e partes interligadas. A transmontana estreou-se no Festival em 2018 a convite de Júlio Resende, mas o caso era outro: “Fui intérprete de uma canção já criada por alguém; vim apenas servir a canção”, recordou no pós-show da Antena 1. Desta vez, a composição foi sua, e o universo visual também era inteiramente seu, com todo o nervosismo que isso implicou. “Foi uma roleta russa de emoções. Fartei-me de chorar estes dias”, confidenciando, entre risos, que falava consigo própria para se voltar a situar. “Bebeste moscatel a vida toda e sobreviveste, sofreste, vieste de longe.”
O paralelo traça-se de imediato com os madeirenses NAPA e a sua balada de soft rock, dedicada a quem vive apartado da sua terra natal, ambicionando um futuro melhor. Sobre a canção, o guitarrista e vocalista João Guilherme Gomes partilhou com a conterrânea Noémia Gonçalves, apresentadora do pós-show, que “foi muito gratificante perceber que, ao escrever sobre a minha história, escrevi a história de muita gente que passa por isso”. Isso verificou-se após o lançamento de “Deslocado”, que se sagrou uma sensação viral no TikTok junto de estudantes deslocados: “Os deuses dos algoritmos beneficiaram-nos, mas não foi propositado.”
O Festival, esquematizado
O Festival da Canção está menos entregue ao acaso: quando a emissão está em marcha, sobra pouca margem para erro ou improviso. Foi isso que Andreia Rocha, co-apresentadora do podcast “Falar pelos Dois”, comprovou durante a sua segunda travessia pelos bastidores, ao encontrar um dos elementos fulcrais da operação. “Basicamente, o meu trabalho é dizer aos operadores de câmara, aos assistentes de realização, ao realizador, ao operador de mistura… tudo o que vai acontecer”, explanou a anotadora Rafaela Faria. “Está tudo super esquematizado e planeado para que todas as vezes que ensaiamos sejam iguais ou melhores da vez anterior.”
No pós-show, Gonçalo Madail, Diretor de Programas da RTP, corrobora esta versão, antecipando possíveis sugestões: “Há algumas alterações que se podem fazer, especialmente aquilo que não interfere com o projeto de realização já desenhado, de câmaras e luz. [Os artistas] podem alterar a indumentária, refinar uma ou outra coisa – mas, do ponto de vista das coreografias”, por exemplo, “qualquer alteração é um risco. Tudo isto foi tudo desenhado ao centímetro.”
O Festival, reimaginado
Um dos momentos da noite foi o regresso a 1975. Por uns momentos, o Festival permitiu-se retroceder 50 anos, e foi parar a uma “altura de bigodes e convulsões”, como se ouviu na emissão televisiva: notável não só por assinalar a primeira edição realizada em democracia, mas porque os arquivos da RTP não guardam quaisquer imagens do evento. Num momento musical com direção musical d’Os Assessores, a fadista Sara Correia deu voz ao vencedor desse ano, Duarte Mendes, com “Madrugada”; Selma Uamusse interpretou Carlos Cavalheiro, com “A Boca do Lobo”; e Ana Bacalhau despertou a memória do GAC (Grupo de Acção Cultural) – Vozes na Luta, emitindo um “Alerta” que ainda ecoa.
Avançamos para 2025, com mais reptos para serem ouvidos. Diana Vilarinho desenhou com a sua “Cotovia” um manifesto de resistência (a partir da imagem evocada pela atriz Meryl Streep para denunciar a falta de liberdade das mulheres afegãs). “Foi a primeira vez que assumi uma canção com uma mensagem tão forte”, disse a cantora no pós-show – em contraste com a contenção praticada por Fernando Daniel, cujo “MEDO” vai tracejando uma reflexão sobre fé, deliberadamente pouco explícita, conforme contou à imprensa. Mais tarde, nos estúdios da Antena 1, admitiu um nervosismo fora do vulgar, dado aproximar-se de “um sonho de criança”: “Sempre imaginei, muito antes de pensar que teria uma carreira, poder representar o meu país” na Eurovisão, após participar neste que é um programa-baluarte da cultura portuguesa.
O Festival move-se pelas mensagens, mas também pelo mais puro groove, e esse é o setor dos Bombazine, que começaram a sua carreira em 2022. Disco sound refrescante, por um filtro indie; a festa numa bandeja. “APAGO TUDO” é uma manifestação de otimismo perante as dúvidas e os impasses, mas também da procrastinação para prolongar os bons momentos. “Curiosamente, é a primeira vez que usamos bombazine”, revelou a banda à imprensa, entre risos.
A noite marcou também a despedida do júri das semifinais, composto por iolanda, Fábia Rebordão, Kady, Margarida Pinto Correia, Martim Sousa Tavares, Miguel Ribeiro e Tiago Nacarato. Na próxima semana, para a finalíssima, o Festival da Canção volta a atravessar ondas hertzianas e ecrãs; com uma emissão especial a culminar no pós-show, a Antena 1 volta a estar lá de fio a pavio.