Durante a sua residência no Tower Theatre (o palco num subúrbio de Filadélfia onde seria registado o seu primeiro disco ao vivo), em julho de 1974, em plena Diamond Dogs Tour, David Bowie entrou pela primeira vez nos míticos Sigma Sound Studios, a “casa” do som negro que caracterizava a cidade. A sua antiga paixão pelo rhythm’n’blues, que podemos recordar nos singles algo invisíveis que tinha editado antes de 1966, ganhou novo alento e abriu caminhos para uma nova visibilidade. Uma paixão alimentada também por uma sucessão de visitas ao mítico Apollo Theatre (em Nova Iorque), onde deverá ter visto praticamente todas as grandes atuações que por ali passaram entre finais de 1972 e 74.
Pediu então a Coco Shwab (a sua assistente pessoal) uma lista de novos discos de referência na música negra, entre os quais títulos da emergente cena disco sound. As ideias, já de certa forma sugeridas no tema “1984”, do álbum desse mesmo ano “Diamond Dogs”, ditavam o rumo para um novo disco que, meses depois, ganhou forma nesse mesmo estúdio em Filadélfia, contando novamente com Tony Visconti na produção e com um distinto lote de músicos, entre os quais o guitarrista Carlos Alomar (que tocava frequentemente no Apollo Theatre) e o baixista Willie Weeks.
As sessões foram rápidas, gravando quase todo o álbum no curso de apenas duas semanas. Este foi, desde o início, um disco nocturno, gravado sempre pela madrugada fora numa fase da sua vida que Bowie vivia com as horas trocadas. Numa etapa posterior, já com o álbum praticamente gravado, Bowie passou uma temporada em Nova Iorque. E aí aprofundou uma amizade com John Lennon que, meses antes, havia conhecido pessoalmente em Los Angeles. Juntos entraram em estúdio (nos não menos míticos Electric Ladyland), trabalhando uma versão de “Across The Universe” (dos Beatles) e num inédito, “Fame”, que viria a dar o primeiro número um americano a Bowie. Os temas, naturalmente, entraram à última hora no alinhamento final de “Young Americans”, tornando-se peças fundamentais do álbum.
O disco acabou por refletir plenamente a vontade de abordar a música negra norte-americana, estimulada pela passagem por Filadélfia, abrindo novos caminhos na obra de Bowie e que teria continuidade direta, mais tarde, em álbuns como “Let’s Dance” (1983) ou “Black Tie White Noise” (1993), em conjunto representando este trio um corpo de trabalho no qual não só ficaram registadas as influências primordiais do R&B da juventude de Bowie como, e isto sobretudo no álbum de 1993, escutaram um relacionamento com o saxofone (o primeiro instrumento que o músico tocou) que se voltaria a manifestar, agora em mais evidente clima jazzy, nas derradeiras gravações de Bowie, que chegaria a disco entre 2014 e 2016.
O tema “Young Americans”, que conta entre a lista de colaboradores com o nome do então desconhecido Luther Vandross, foi escolhido como cartão de visita, confirmando que a versão do clássico de Eddie Floyd “Knock on Wood” – em gravação ao vivo – lançada em single meses antes não fora um flirt pontual, mas antes um sinal de aviso para uma mudança em curso. A designação “plastic soul” começou então a surgir nas palavras do próprio David Bowie como forma de se referir a esta sua abordagem ao universo das heranças do R&B. Uma abordagem com um cunho pessoal mais evidente ainda no soberbo “Fame”, que parte de um riff de Carlos Alomar e define um espaço ritmicamente anguloso que sabe usar as breves presenças de silêncio em seu favor.
O álbum foi bem recebido, sobretudo nos EUA, onde Bowie se viu elevado do estatuto de estrela de culto a figura de primeira linha do showbiz. “Young Americans” teve de facto um impacte imediato. Já agora vale a pena recordar que os Roxy Music mostraram igual paixão pelas referências da música negra no contemporâneo “Love Is The Drug”. E que Rod Stewart fez o mesmo em “Atlantic Crossing”…
A história de “Young Americans” conheceria um episódio novo em 2016 quando, integrado na caixa antológica “Who Can I Be Now (1974-1976)” teve finalmente edição o álbum “The Gouster”, que corresponde ao disco que estava pronto a editar quando subitamente Bowie o arquivou, dele partindo alguns temas, sob novos arranjos, para o alinhamento de “Young Americans”, outros ficando por ali. “The Gouster” permitiu-nos um olhar sobre o que representou uma etapa intermediária entre as primeiras visões daquilo a que Bowie chamaria depois “plastic soul” e o álbum final que, mais depurado (e já com as contribuições de John Lennon) chegaria ao mercado em 1975.